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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

POEMAS DO LIVRO SINTAXE INVISÍVEL


PRIMAVERA


Sei que gostas de flores,
e tenho as mãos vazias.

Sei que amas o poema,
e já não há mais palavras
disponíveis.

E sei que esta noite dormirás
sobre um segredo de flores:
a primavera se irromperá violenta
de teu corpo
e a manhã se agitará nos teus cabelos
flamejantes.



Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


ISENÇÃO


Agora compreendemos a beleza
efêmera das coisas
e já nos preparamos lúcidos
e dispomos de mil caminhos sem bússola
para o nosso desespero.

De muito amar nos perdemos no tempo.
A nossa voz perdeu-se nas cavernas da noite.
De súbito, nos achamos confusos
na direção de auroras que não vimos.

Tudo agora nos anuncia as dimensões do efêmero.
Temos pressa e destruímos as probabilidades
do amor, nas suas inúmeras cavilações.

Temos pressa e nos descobrimos
diante da vida
e a cada instante nos sabemos
vazios de ternura, isentos.

Agora já não temos a eternidade
que pretendíamos para os nossos
gestos silenciosos e sinistramente
disfarçamos
nosso poder de violência e tédio.

Apenas a tristeza de ser nos impele solidária
para o que tão longe permanece
como um sopro noturno de esperança
ou morte.


Gilberto Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'


CRISTAL


O tempo de viver tem seu cristal intato,
limpo de toda névoa e de tudo o que é forma
mesmo precária e vã de existir e sonhar.

Que relógio de sol lhe marca a intensidade,
o íntimo viver da contínua linguagem?

Que dia se abrirá como dourada lâmina
no obscuro girassol do amor nas madrugadas?

Mesmo que tudo apague ou dilua no pranto
a presença da morte, e a noite só convoque 
a seu largo silêncio inadiável, como
gritar,gritar que há sempre um outro renascer,
uma esperança além nos desígnios da vida?

Que sombra permanece a não ser esta angústia,
esta tranqüilidade em que as coisas se deixam
conduzir, como um rio à procura de um mar?

Que sonho restará senão o desespero 
de riscar com carvão este breve cristal?


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


DÁDIVA


Tangente à solidão do quarto,
insistes harmoniosa e propagas
teu corpo de animal noturno e belo.

Sol e água, te derramas na cama
e és anca, braços, pernas, a dura
inquietação da noite interrompida.

É preciso invadir a unidade
perfeita de teu ventre.é preciso
respirar teus cabelos repousados.

Eu sei que é preciso anular
as dimensões do tempo em tudo
e em tudo quanto existe em nós
de eternidade ou de humano
sorrir às seduções da morte.

Em breve te incorporar ao sonho
donde vieste e te entregas 
ao silêncio da pura exatidão.

Os cavalos sublime relincharão
nesse momento denso e tenso
de nossas fundas limitações.

Penetrarão a paz rigorosa
que ocultamos felizes na ternura
mais pródiga que a vida considera
no múltiplo existir de uma fruta madura,
uma rosa morrendo ou sombra
flutuante no verde que se perde
na mansidão da tarde.



Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível



O ANJO


Na boca da noite,
na língua da rua,
tu me chamas do ôco
de uma sombra nua.

No riso do vento,
no olho da chuva,
me acenas de dentro
de uma coisa turva.

Envolves meu corpo
no teu mundo de água:
cada vez sou outro
noutro corpo e alma.

Conheço teus passos,
teus gestos conheço,
sobre os meus fracassos
vibra o teu começo.

Sobre o meu silêncio
cresce o teu ruído,
sobre a minha angústia
voa o teu segredo
e acima da noite,
sobre o tempo vivo,
paira o desespero
de teu braço erguido.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível



I


Nem a noite desfaz a conveniência
absurda de chorar, nem disfarçamos
no rumor das estrelas camufladas
nossa origem de fogo e primavera.
No vértice do tempo sobrevive
a grande solidão de nossos passos
perdidos, como a chuva, nos extremos
desta terra sem vento e ressonâncias.
Além do acaso, consultamos tímidos
os contornos das nuvens debruçadas
e nos rimos da vida, enquanto pássaros
submersos nestas águas sem naufrágio
e estranhos neste exílio transitório
que os prodígios da noite amadurecem.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


X


Não morrerás em mim.
Não morrerás
assim como uma sombra na distância,
o vento no horizonte e, nas manhãs,
a alegria mais pura que inventamos.
Serás presente em tudo e viverás
o segredo de todos os momentos.
Todas as coisas gritarão teu nome
e o silêncio mais puro, o mais sutil,
aquele que mais dói e acende as noites
e o ser profundamente intranquiliza 
- este restituirá o movimento,
a eternidade viva de teus passos
e a certeza mais limpa de que nunca
tu morrerás em mim.
Não morrerás.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


CANTIGA


Não quebres o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
role assim perdida
como a própria sombra
dessa coisa-vida.

Deixa que seu canto
se prolongue ainda
sobre os mil segredos
desta tarde linda,
sobre o mar sereno,
sobre a praia infinda

Há tanto silêncio
tanta paz na vida
que nem mesmo o tempo
com sua arte erguida
roubará o encanto
da palavra vida.

Deixa que a palavra
ande assim perdida...
- Alguém docemente
pensará na vida.

Guilherme Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'











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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

POEMAS DO LIVRO SINTAXE INVISÍVEL


PRIMAVERA


Sei que gostas de flores,
e tenho as mãos vazias.

Sei que amas o poema,
e já não há mais palavras
disponíveis.

E sei que esta noite dormirás
sobre um segredo de flores:
a primavera se irromperá violenta
de teu corpo
e a manhã se agitará nos teus cabelos
flamejantes.



Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


ISENÇÃO


Agora compreendemos a beleza
efêmera das coisas
e já nos preparamos lúcidos
e dispomos de mil caminhos sem bússola
para o nosso desespero.

De muito amar nos perdemos no tempo.
A nossa voz perdeu-se nas cavernas da noite.
De súbito, nos achamos confusos
na direção de auroras que não vimos.

Tudo agora nos anuncia as dimensões do efêmero.
Temos pressa e destruímos as probabilidades
do amor, nas suas inúmeras cavilações.

Temos pressa e nos descobrimos
diante da vida
e a cada instante nos sabemos
vazios de ternura, isentos.

Agora já não temos a eternidade
que pretendíamos para os nossos
gestos silenciosos e sinistramente
disfarçamos
nosso poder de violência e tédio.

Apenas a tristeza de ser nos impele solidária
para o que tão longe permanece
como um sopro noturno de esperança
ou morte.


Gilberto Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'


CRISTAL


O tempo de viver tem seu cristal intato,
limpo de toda névoa e de tudo o que é forma
mesmo precária e vã de existir e sonhar.

Que relógio de sol lhe marca a intensidade,
o íntimo viver da contínua linguagem?

Que dia se abrirá como dourada lâmina
no obscuro girassol do amor nas madrugadas?

Mesmo que tudo apague ou dilua no pranto
a presença da morte, e a noite só convoque 
a seu largo silêncio inadiável, como
gritar,gritar que há sempre um outro renascer,
uma esperança além nos desígnios da vida?

Que sombra permanece a não ser esta angústia,
esta tranqüilidade em que as coisas se deixam
conduzir, como um rio à procura de um mar?

Que sonho restará senão o desespero 
de riscar com carvão este breve cristal?


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


DÁDIVA


Tangente à solidão do quarto,
insistes harmoniosa e propagas
teu corpo de animal noturno e belo.

Sol e água, te derramas na cama
e és anca, braços, pernas, a dura
inquietação da noite interrompida.

É preciso invadir a unidade
perfeita de teu ventre.é preciso
respirar teus cabelos repousados.

Eu sei que é preciso anular
as dimensões do tempo em tudo
e em tudo quanto existe em nós
de eternidade ou de humano
sorrir às seduções da morte.

Em breve te incorporar ao sonho
donde vieste e te entregas 
ao silêncio da pura exatidão.

Os cavalos sublime relincharão
nesse momento denso e tenso
de nossas fundas limitações.

Penetrarão a paz rigorosa
que ocultamos felizes na ternura
mais pródiga que a vida considera
no múltiplo existir de uma fruta madura,
uma rosa morrendo ou sombra
flutuante no verde que se perde
na mansidão da tarde.



Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível



O ANJO


Na boca da noite,
na língua da rua,
tu me chamas do ôco
de uma sombra nua.

No riso do vento,
no olho da chuva,
me acenas de dentro
de uma coisa turva.

Envolves meu corpo
no teu mundo de água:
cada vez sou outro
noutro corpo e alma.

Conheço teus passos,
teus gestos conheço,
sobre os meus fracassos
vibra o teu começo.

Sobre o meu silêncio
cresce o teu ruído,
sobre a minha angústia
voa o teu segredo
e acima da noite,
sobre o tempo vivo,
paira o desespero
de teu braço erguido.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível



I


Nem a noite desfaz a conveniência
absurda de chorar, nem disfarçamos
no rumor das estrelas camufladas
nossa origem de fogo e primavera.
No vértice do tempo sobrevive
a grande solidão de nossos passos
perdidos, como a chuva, nos extremos
desta terra sem vento e ressonâncias.
Além do acaso, consultamos tímidos
os contornos das nuvens debruçadas
e nos rimos da vida, enquanto pássaros
submersos nestas águas sem naufrágio
e estranhos neste exílio transitório
que os prodígios da noite amadurecem.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


X


Não morrerás em mim.
Não morrerás
assim como uma sombra na distância,
o vento no horizonte e, nas manhãs,
a alegria mais pura que inventamos.
Serás presente em tudo e viverás
o segredo de todos os momentos.
Todas as coisas gritarão teu nome
e o silêncio mais puro, o mais sutil,
aquele que mais dói e acende as noites
e o ser profundamente intranquiliza 
- este restituirá o movimento,
a eternidade viva de teus passos
e a certeza mais limpa de que nunca
tu morrerás em mim.
Não morrerás.


Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível


CANTIGA


Não quebres o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
role assim perdida
como a própria sombra
dessa coisa-vida.

Deixa que seu canto
se prolongue ainda
sobre os mil segredos
desta tarde linda,
sobre o mar sereno,
sobre a praia infinda

Há tanto silêncio
tanta paz na vida
que nem mesmo o tempo
com sua arte erguida
roubará o encanto
da palavra vida.

Deixa que a palavra
ande assim perdida...
- Alguém docemente
pensará na vida.

Guilherme Mendonça Teles
In 'Sintaxe Invisível'











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