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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

do livro PLURAL DE NUVENS



LUDUS


Tolle, lege. 
Santo Agostinho

Toma a palavra, e principia. Tudo 
tem um pouco de ti: um sol, um sema. 
No fundo, teu desejo:
............................. lodo e ludo, 
jogo de truque e blefe de poema.

Toma este livro, toma e lê (ou lege);
não só um tomo, a obra inteira soma 
à solidão maior que te protege 
como um corpo de baile no idioma.

E toma ao pé da letra o que combina 
com teu gosto e prazer:
............................. o cimo, a suma 
de todos os sabores,
............................. vitamina, 
quintessência final de coisa alguma.

Gilberto Mendonça Teles
In 'Plural de Nuvens’(1990)


AQUI E AGORA


Procuro o aqui e o agora, 
o agoraqui, o que já foi 
e continua: a cor de outrora 
no couro curtido de um boi.

Procuro o que está sendo, 
o que se acende, o que se apaga,
o acontecido acontecendo, 
sombra de peixe fora d'água.

Procuro o que figura
no que perdi te procurando,
o que se gastou na usura
do que me vem de vez em quando.

Procuro o que projeto 
além de mim, no que me sobra: 
talvez a sombra de um inseto 
na plantação da minha obra.

Procuro o procurar-te, 
o que sempre fiz e não sei. 
Talvez o aqui e o agora, a parte 
do que ficou fora da lei.

Gilberto Mendonça Teles
In ‘Plural de Nuvens’(1990)



PLURAL DE NUVENS


Se há um plural de nuvens e se há sombras
projetadas no texto das cavernas,
por que não mergulhar, tentar nas ondas
a refração dos peixes e das pedras?

Há sempre alguma névoa, um lado obscuro
que atravessa o poema. Há sempre um saldo
de formas laterais, um como escudo
que não resiste muito a teu assalto.

Se alguma luz na contraluz se esbate,
se há no curso dos dias sol e vento,
talvez na foz do rio outra cidade
venha no teu olhar amanhecendo.

Importa é caminhar, colher florzinhas,
somar os ( im ) possíveis e parcelas,
criar no tempo algumas coisas findas,
algumas ilusões e primaveras.

Importa é ler de perto a cavidade
das nuvens e espiar os seus não-ditos:
o mais são armas para o teu combate,
falsos alarmes para os teus sentidos.

Gilberto Mendonça Teles
In Plural das Nuvens


SIGNO

Ainda existe a rosa nos cabelos 
vermelhos da poesia.


Ainda há força 
no azul do seu mistério, no seu canto,
no eixo de sua aérea encruzilhada.


Ainda, a sua origem, seu mais íntimo
silêncio: o veludoso ardor das pétalas,
o aroma das amoras no políndromo,
das palavras de aladas peripécias.


Ainda, esta morada, o seu precioso
espaço interior, o alumbramento
da forma em desatino, a descontínua 
perspectiva do ser na travessia.


Ainda, a sua angústia, o novo tempo
se exaurindo nas coisas, lapidando
os favos da romã e consumindo
seu avesso de fogo e sutilezas.


E ainda a sua imagem:
lago, espelho,
alma e corpo submerso, o indelével
estribilho do amor e seu disfarce,
e seus pontos de cruz na superfície.


Gilberto Mendonça Teles
In Plural de Nuvens















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do livro PLURAL DE NUVENS



LUDUS


Tolle, lege. 
Santo Agostinho

Toma a palavra, e principia. Tudo 
tem um pouco de ti: um sol, um sema. 
No fundo, teu desejo:
............................. lodo e ludo, 
jogo de truque e blefe de poema.

Toma este livro, toma e lê (ou lege);
não só um tomo, a obra inteira soma 
à solidão maior que te protege 
como um corpo de baile no idioma.

E toma ao pé da letra o que combina 
com teu gosto e prazer:
............................. o cimo, a suma 
de todos os sabores,
............................. vitamina, 
quintessência final de coisa alguma.

Gilberto Mendonça Teles
In 'Plural de Nuvens’(1990)


AQUI E AGORA


Procuro o aqui e o agora, 
o agoraqui, o que já foi 
e continua: a cor de outrora 
no couro curtido de um boi.

Procuro o que está sendo, 
o que se acende, o que se apaga,
o acontecido acontecendo, 
sombra de peixe fora d'água.

Procuro o que figura
no que perdi te procurando,
o que se gastou na usura
do que me vem de vez em quando.

Procuro o que projeto 
além de mim, no que me sobra: 
talvez a sombra de um inseto 
na plantação da minha obra.

Procuro o procurar-te, 
o que sempre fiz e não sei. 
Talvez o aqui e o agora, a parte 
do que ficou fora da lei.

Gilberto Mendonça Teles
In ‘Plural de Nuvens’(1990)



PLURAL DE NUVENS


Se há um plural de nuvens e se há sombras
projetadas no texto das cavernas,
por que não mergulhar, tentar nas ondas
a refração dos peixes e das pedras?

Há sempre alguma névoa, um lado obscuro
que atravessa o poema. Há sempre um saldo
de formas laterais, um como escudo
que não resiste muito a teu assalto.

Se alguma luz na contraluz se esbate,
se há no curso dos dias sol e vento,
talvez na foz do rio outra cidade
venha no teu olhar amanhecendo.

Importa é caminhar, colher florzinhas,
somar os ( im ) possíveis e parcelas,
criar no tempo algumas coisas findas,
algumas ilusões e primaveras.

Importa é ler de perto a cavidade
das nuvens e espiar os seus não-ditos:
o mais são armas para o teu combate,
falsos alarmes para os teus sentidos.

Gilberto Mendonça Teles
In Plural das Nuvens


SIGNO

Ainda existe a rosa nos cabelos 
vermelhos da poesia.


Ainda há força 
no azul do seu mistério, no seu canto,
no eixo de sua aérea encruzilhada.


Ainda, a sua origem, seu mais íntimo
silêncio: o veludoso ardor das pétalas,
o aroma das amoras no políndromo,
das palavras de aladas peripécias.


Ainda, esta morada, o seu precioso
espaço interior, o alumbramento
da forma em desatino, a descontínua 
perspectiva do ser na travessia.


Ainda, a sua angústia, o novo tempo
se exaurindo nas coisas, lapidando
os favos da romã e consumindo
seu avesso de fogo e sutilezas.


E ainda a sua imagem:
lago, espelho,
alma e corpo submerso, o indelével
estribilho do amor e seu disfarce,
e seus pontos de cruz na superfície.


Gilberto Mendonça Teles
In Plural de Nuvens















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