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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

POEMAS DO LIVRO A ARTE DE AMAR

ORIGEM


Agarro o azul do poema pelo fio
mais delgado de lã de seu discurso
e vou trançando as linhas do relâmpago
nos vidros ilegíveis da janela.

Seu novelo de nuvens reduplica
a concreta visão desse animal
que se enreda em si mesmo, toureando
a púrpura do mito e se exibindo
diante da minha astúcia de momento.

Sou cheio de improviso. Sou portátil.
E sou noite e falácia por impulso
e excesso de acidentes e prodígios.
E agora que há sinais de ressonâncias
sou milícia verbal configurando
a subversão na zona do silêncio.

Todo início é noturno. Todo início
é maior que seu tempo e sua agenda
de imprevistos. Mas todo início aguarda
a visita dos deuses ou demônios.

Há fórmulas polidas nos subúrbios
da fala. Há densidades nos recintos
desprovidos de margens. E nos mínimos
detalhes de ruptura existe um sopro
de solidão que soa nesta vértebra
de audácia e persistência.

Alguém perturba 
o horário de recreio das palavras.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



RECEITA


Tome a palavra suja,
“cabeluda” e com c’aspas,
essa que tem açúcar
no sangue, e sobretaxa.

Tome a que, sendo escrava
da tribo e do tributo,
mostra no corpo as marcas
de lacre, logro e lucro.

Pode ser a de baixo
calão, a manteúda,
como opção, como cágado,
essa que se disputa

nas feiras, que é falada,
que é falida e que gruda,
tome a palavra chata
tome a palavra chula

e bote tudo às claras
e gema a até misture
coisas de corpo e alma,
de vida e de cultura

e leve ao forno e passe
a forma na gordura,
depois coma e disfarce
os bigodes da gula.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



PRECE


Ah! meu anjo bom,
meu anjo da guarda,
livrai-me do mal ...
dos maus da vanguarda.

Li tanta mensagem
castiça ou bastarda,
já lancei nos campos
meu grão de mostarda.

Como muita gente
carrego o meu fardo
(meu fardão de glória)
nesta tarde parda.

Mas sei que meu anjo
negro já não tarda,
por isso vos peço,
meu anjo da guarda,

livrai-me de tudo
o que é moda e que arda 
como chama vã
no vão da vanguarda.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



PROCESSO


A palavra exata
na palavra exígua
e o sinal no ambíguo
da conotação.

A palavra exausta
na palavra em zigue –
e o real contínuo
da denotação.

A palavra ex-ata
na palavra ex-líbris
e o plural no umbigo
da diluição.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar


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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

POEMAS DO LIVRO A ARTE DE AMAR

ORIGEM


Agarro o azul do poema pelo fio
mais delgado de lã de seu discurso
e vou trançando as linhas do relâmpago
nos vidros ilegíveis da janela.

Seu novelo de nuvens reduplica
a concreta visão desse animal
que se enreda em si mesmo, toureando
a púrpura do mito e se exibindo
diante da minha astúcia de momento.

Sou cheio de improviso. Sou portátil.
E sou noite e falácia por impulso
e excesso de acidentes e prodígios.
E agora que há sinais de ressonâncias
sou milícia verbal configurando
a subversão na zona do silêncio.

Todo início é noturno. Todo início
é maior que seu tempo e sua agenda
de imprevistos. Mas todo início aguarda
a visita dos deuses ou demônios.

Há fórmulas polidas nos subúrbios
da fala. Há densidades nos recintos
desprovidos de margens. E nos mínimos
detalhes de ruptura existe um sopro
de solidão que soa nesta vértebra
de audácia e persistência.

Alguém perturba 
o horário de recreio das palavras.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



RECEITA


Tome a palavra suja,
“cabeluda” e com c’aspas,
essa que tem açúcar
no sangue, e sobretaxa.

Tome a que, sendo escrava
da tribo e do tributo,
mostra no corpo as marcas
de lacre, logro e lucro.

Pode ser a de baixo
calão, a manteúda,
como opção, como cágado,
essa que se disputa

nas feiras, que é falada,
que é falida e que gruda,
tome a palavra chata
tome a palavra chula

e bote tudo às claras
e gema a até misture
coisas de corpo e alma,
de vida e de cultura

e leve ao forno e passe
a forma na gordura,
depois coma e disfarce
os bigodes da gula.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



PRECE


Ah! meu anjo bom,
meu anjo da guarda,
livrai-me do mal ...
dos maus da vanguarda.

Li tanta mensagem
castiça ou bastarda,
já lancei nos campos
meu grão de mostarda.

Como muita gente
carrego o meu fardo
(meu fardão de glória)
nesta tarde parda.

Mas sei que meu anjo
negro já não tarda,
por isso vos peço,
meu anjo da guarda,

livrai-me de tudo
o que é moda e que arda 
como chama vã
no vão da vanguarda.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar



PROCESSO


A palavra exata
na palavra exígua
e o sinal no ambíguo
da conotação.

A palavra exausta
na palavra em zigue –
e o real contínuo
da denotação.

A palavra ex-ata
na palavra ex-líbris
e o plural no umbigo
da diluição.

Gilberto Mendonça Teles
in Arte de Amar


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