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domingo, 9 de novembro de 2014

TRÊS ORQUÍDEAS*



(Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)
[Cinquenta anos sem Cecília...]


TRÊS ORQUÍDEAS*

 
As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? Que dia? Dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E aspira sobre elas a gentileza igualmente frágil, a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Cecília Meireles
In "Flor de Poemas" 


 *Último poema de Cecília Meireles, escrito no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, em agosto de 1964.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

“Todas as aves do mundo de amor cantavam ...”


Todas as aves do mundo de amor cantavam...
e os grandes horizontes se estendiam multicores
e os dias da vida eram tão raros ainda
que se podiam enumerar, só por suas lembranças.

“Todas as aves do mundo de amor cantavam...”
mas grandes mares se abriram para passagens belas como ritos,
e os dias se tornaram tão numerosos e densos e duros
como essas pedras das fortalezas em montanhas antigas.

E agora são na verdade os dias inumeráveis
e cada um com sua angustia, e todos eles se entrechocam,
e a noite vem mais cedo há tempestades entre as nuvens.

E eu queria que todas as aves do mundo de amor cantassem,
mas um vasto silencio, uma vigília de morte
estende céus frios, céus escuros sobre amargos corações.

1960

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)


[Fotografia: Dança dos Tangarás ( Chiroxiphia caudata)]

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Como estão as montanhas


Como estão as montanhas
por detrás do horizonte,
e o litoral do sonho
além da nossa fronte;


como, no oceano denso,
anêmona perfeita
sua estrela desdobra
e o cego abismo aceita;


como, atrás das imagens,
a idéia se desenha,
e o oráculo cintila
na impenetrável brenha;


assim fica encerrrada,
assim, desconhecida,
nossa extrema verdade
na noite irreal da vida.


Cecília Meireles
In: Canções (1956)

Cecília Meireles nascimento 07/11/1901 - morte 09/11/1964

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Do meu outono



O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO



Caminho do campo verde,
estrada depois da estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida
tão vazia mas tão bela,
tão certa mas tão perdida!

Eu ando sozinha por cima das pedras.
Mas a flor é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha por dentro dos bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

Cecília Meireles
de Vaga Musica

terça-feira, 17 de março de 2009

Canção de Remar



Doce peso
desta sonolência,
leve cadência
de amor e desprezo.

Lua mansa,
pedaço perdido
do anel partido
de alguma esperança.

Grande estrela
toda desfolhada
na água parada
para recebê-la.

Noite fria,
sem desejo humano.
Brisa no oceano
Da melancolia.

Rosto sério
das ondas do mundo.
Bóiam no fundo
ramos de mistério.

( Doce peso
desta sonolência...
leve cadência
de amor e desprezo...)

Cecília Meireles

domingo, 15 de fevereiro de 2009

‘ABRACEMOS A NOITE’



Abracemos a noite
que chega do abismo,
instruída e calada.

Em seu peito de treva
descansemos a alma tão desesperada.

Contemplemos a noite
vestida de sombra,
de tempo adornada.

Tão material e estranha,
tão simples, tão deusa,
fácil e enviolada,

que a varanda remota
de um negro horizonte
prolonga, admirada.

Abracemos a noite
que tece e destece
a frágil escada

dos vagos trapezistas
soltos como flores
na vida sonhada.


Cecília Meireles

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cântico XV



Não queiras ser.
Não ambiciones.
Não marques limites ao teu caminho.
A Eternidade é muito longa.
E dentro dela tu te moves, eterno.
Sê o que vem e o que vai.
Sem forma.
Sem termo.
Como um grande luz difusa.
Filha de nenhum sol.

Cecilia Meireles

domingo, 21 de dezembro de 2008

'Para Mario Quintana,agradecendo-lhe as “Canções”.



O Natal foi diferente
porque o Menino Jesus
disse à Senhora Sant’Anna:
“Vovozinha, eu já não gosto
das canções de antigamente;
Cante as de Mario Quintana!”

Viram-se então os anjinhos
de livro aberto nas mãos
deslizar no ouro dos ares.
Estudaram novas solfas
pelos celestes caminhos
— e cantaram quintanares.

Deixaram cair os versos
que já sabiam de cor
pelos telhados das casas.
E o milagre das cantigas
foi que até os seres perversos
amanheceram com asas.

Cecília Meireles

'Pequena lágrima atenta'



Esse rosto na sombra, esse olhar na memória,
o tempo do silêncio, os braços da esperança,
uma rosa indefesa - e esse vento inimigo.

Ficou somente a luz do constante deserto,
e o sobrenatural reino obscuro do vento,
com seu povo indistinto a carpir noutro idioma.

Idéias de saudade em tal paisagem morrem.
Que arroio pode haver, de contínuos espelhos,
a repetir o que é deixado? Por devota,

solidária ternura e aceitação da angústia?
- Ah, deixarei meu nome entre as antigas mortes.
Só nessas mortes pode estar meu nome escrito.


Cecilia Meireles

domingo, 7 de dezembro de 2008

'Solidão'



Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...

E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.

A noite fecha seus lábios
— terra e céu — guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

Cecília Meireles
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domingo, 9 de novembro de 2014

TRÊS ORQUÍDEAS*



(Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)
[Cinquenta anos sem Cecília...]


TRÊS ORQUÍDEAS*

 
As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? Que dia? Dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E aspira sobre elas a gentileza igualmente frágil, a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Cecília Meireles
In "Flor de Poemas" 


 *Último poema de Cecília Meireles, escrito no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, em agosto de 1964.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

“Todas as aves do mundo de amor cantavam ...”


Todas as aves do mundo de amor cantavam...
e os grandes horizontes se estendiam multicores
e os dias da vida eram tão raros ainda
que se podiam enumerar, só por suas lembranças.

“Todas as aves do mundo de amor cantavam...”
mas grandes mares se abriram para passagens belas como ritos,
e os dias se tornaram tão numerosos e densos e duros
como essas pedras das fortalezas em montanhas antigas.

E agora são na verdade os dias inumeráveis
e cada um com sua angustia, e todos eles se entrechocam,
e a noite vem mais cedo há tempestades entre as nuvens.

E eu queria que todas as aves do mundo de amor cantassem,
mas um vasto silencio, uma vigília de morte
estende céus frios, céus escuros sobre amargos corações.

1960

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)


[Fotografia: Dança dos Tangarás ( Chiroxiphia caudata)]

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Como estão as montanhas


Como estão as montanhas
por detrás do horizonte,
e o litoral do sonho
além da nossa fronte;


como, no oceano denso,
anêmona perfeita
sua estrela desdobra
e o cego abismo aceita;


como, atrás das imagens,
a idéia se desenha,
e o oráculo cintila
na impenetrável brenha;


assim fica encerrrada,
assim, desconhecida,
nossa extrema verdade
na noite irreal da vida.


Cecília Meireles
In: Canções (1956)

Cecília Meireles nascimento 07/11/1901 - morte 09/11/1964

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Do meu outono



O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO



Caminho do campo verde,
estrada depois da estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida
tão vazia mas tão bela,
tão certa mas tão perdida!

Eu ando sozinha por cima das pedras.
Mas a flor é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha por dentro dos bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.

Eu ando sozinha ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

Cecília Meireles
de Vaga Musica

terça-feira, 17 de março de 2009

Canção de Remar



Doce peso
desta sonolência,
leve cadência
de amor e desprezo.

Lua mansa,
pedaço perdido
do anel partido
de alguma esperança.

Grande estrela
toda desfolhada
na água parada
para recebê-la.

Noite fria,
sem desejo humano.
Brisa no oceano
Da melancolia.

Rosto sério
das ondas do mundo.
Bóiam no fundo
ramos de mistério.

( Doce peso
desta sonolência...
leve cadência
de amor e desprezo...)

Cecília Meireles

domingo, 15 de fevereiro de 2009

‘ABRACEMOS A NOITE’



Abracemos a noite
que chega do abismo,
instruída e calada.

Em seu peito de treva
descansemos a alma tão desesperada.

Contemplemos a noite
vestida de sombra,
de tempo adornada.

Tão material e estranha,
tão simples, tão deusa,
fácil e enviolada,

que a varanda remota
de um negro horizonte
prolonga, admirada.

Abracemos a noite
que tece e destece
a frágil escada

dos vagos trapezistas
soltos como flores
na vida sonhada.


Cecília Meireles

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cântico XV



Não queiras ser.
Não ambiciones.
Não marques limites ao teu caminho.
A Eternidade é muito longa.
E dentro dela tu te moves, eterno.
Sê o que vem e o que vai.
Sem forma.
Sem termo.
Como um grande luz difusa.
Filha de nenhum sol.

Cecilia Meireles

domingo, 21 de dezembro de 2008

'Para Mario Quintana,agradecendo-lhe as “Canções”.



O Natal foi diferente
porque o Menino Jesus
disse à Senhora Sant’Anna:
“Vovozinha, eu já não gosto
das canções de antigamente;
Cante as de Mario Quintana!”

Viram-se então os anjinhos
de livro aberto nas mãos
deslizar no ouro dos ares.
Estudaram novas solfas
pelos celestes caminhos
— e cantaram quintanares.

Deixaram cair os versos
que já sabiam de cor
pelos telhados das casas.
E o milagre das cantigas
foi que até os seres perversos
amanheceram com asas.

Cecília Meireles

'Pequena lágrima atenta'



Esse rosto na sombra, esse olhar na memória,
o tempo do silêncio, os braços da esperança,
uma rosa indefesa - e esse vento inimigo.

Ficou somente a luz do constante deserto,
e o sobrenatural reino obscuro do vento,
com seu povo indistinto a carpir noutro idioma.

Idéias de saudade em tal paisagem morrem.
Que arroio pode haver, de contínuos espelhos,
a repetir o que é deixado? Por devota,

solidária ternura e aceitação da angústia?
- Ah, deixarei meu nome entre as antigas mortes.
Só nessas mortes pode estar meu nome escrito.


Cecilia Meireles

domingo, 7 de dezembro de 2008

'Solidão'



Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...

E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrelas.

A noite fecha seus lábios
— terra e céu — guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

Cecília Meireles