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domingo, 9 de novembro de 2014

TRÊS ORQUÍDEAS*



(Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)
[Cinquenta anos sem Cecília...]


TRÊS ORQUÍDEAS*

 
As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? Que dia? Dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E aspira sobre elas a gentileza igualmente frágil, a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Cecília Meireles
In "Flor de Poemas" 


 *Último poema de Cecília Meireles, escrito no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, em agosto de 1964.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

INFÂNCIA



Quando recordo  o tempo  de criança
revivendo aquela fase linda,
envolvo-me em  magia mansa
julgando-me ser criança ainda!

Temos sempre e sentimos  dentro de nós
um pouco da linda e frágil criança,
aquela que vive simplesmente a sós
imaginando sonhos de esperança.

E neste vai e vem de nossa vida,
vez em quando uma lembrança remexida
nos torna feliz, momentaneamente.

Quase sempre é a imagem colorida
através de uma lágrima escorrida,
lembrando a criança  que fomos antigamente.


Celeste Laus
In A Décima Carta

A gente vai indo...
crescendo...vivendo...
chorando ou sorrindo...
e no vaivém
- da vida,
retorna ao passado:
uma série de ocorrências
acumulam-se
em nossa mente,
cheias de beleza
ou de maldade,
e... no giro, girando
a gente fica,
ficando sempre a pensar
se tudo aquilo
foi mentira,
ou se realmente é verdade
o que nos surpreende
num momento
- de saudade.


Celeste Laus
In Um Pedaço de Papel


Escritora nascida em  Tijucas em 1911. Filha de Minervina e Rodolfo Laus.
Poetisa consagrada de Santa Catarina. Autora de Caderno de Sonhos, Poemas Escolhidos e Seleção de Poemas, Um pedaço de Papel, etc...


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SONHANDO


Ensimesmada passando pela vida
Buscando respostas, encontrando perguntas
Perdidas nos tempos, perguntas velhas,
Cansadas, Irrespondíveis...



Fugindo do sol, buscando crepúsculos
Amanhecendo noites, perdendo auroras
Buscando ternura, comprometida com a solidão
Nessa louca e rápida passagem – Chamada Vida –


Quero preencher as ausências,
Fazer acontecer a alegria
Dourar as horas, alegrar a melancolia.


Afinal sonhar é de alguma forma viver.


Anna Carlini
(Pseudônimo)
1949
[Arte: Catrin Welz Stein]

domingo, 6 de julho de 2014

POEMA



Duro caminho é o saber que não há caminho.
O que há são fragmentos de rota que o tecido do acaso
une ou desune. Estar, andar. Identificar-se com as coisas,
com o tempo. Estar aqui, ali. Estar antigamente, estar futuro,
ou buscar-se no espelho onde não há espelho.
Isso é tudo.
Mesmo assim nos sonhamos, e sonhamos
um roteiro, um destino.
Não no espaço, ou no tempo,
mas na parte de nós, ah, tão frágil, que se devora
e, perdida, se salva.

Emílio Moura
In: Itinerário Poético
Entre o Real e a Fabula

OS VERSOS QUE TE DOU


Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei  depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

J. G. de Araújo Jorge* 
do livro “Meu céu interior”, Editora Vecchi – Rio de Janeiro, 1934.


 *José Guilherme de Araújo Jorge - nasceu na Vila de Tarauacá, no Estado do Acre, aos 20 de maio de 1914. Ainda jovem iniciou-se na poesia. Estudou em Coimbra, Portugal, e fez curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim, Alemanha. Além de escritor, locutor e redator de programas radiofônicos, professor de História e Literatura, líder estudantil, tinha política em suas veias. Foi candidato a vários cargos públicos. Elegeu-se deputado federal pelo Estado da Guanabara, em 1970. Foi reeleito em 1974 e 1978. Mesmo combatidos pelos críticos, seus livros — em número de 36 — tinham grande aceitação e foram publicados em diversos países. Faleceu no dia 27 de janeiro de 1987.

'TRUMPET'S BLUES'



O dia se foi.
A lua é um nada,
O vento é frio.
Passado, presente

Futuro – é isso:
Um cigarro aceso,
Uma tosse no meio da praça,
Um estalar de dedos na outra esquina.

Então, lá no fundo,
No meio da cidade,
Alguém começa a gritar
Pelo bocal de um piston.


Sérgio Jockyman*
De ‘Poemas em negro’, pag 47
Imprensa Oficial do Estado – 1958-

[Tela by Ted Hornes, Blues Silhouette]

quinta-feira, 22 de maio de 2014

“Todas as aves do mundo de amor cantavam ...”


Todas as aves do mundo de amor cantavam...
e os grandes horizontes se estendiam multicores
e os dias da vida eram tão raros ainda
que se podiam enumerar, só por suas lembranças.

“Todas as aves do mundo de amor cantavam...”
mas grandes mares se abriram para passagens belas como ritos,
e os dias se tornaram tão numerosos e densos e duros
como essas pedras das fortalezas em montanhas antigas.

E agora são na verdade os dias inumeráveis
e cada um com sua angustia, e todos eles se entrechocam,
e a noite vem mais cedo há tempestades entre as nuvens.

E eu queria que todas as aves do mundo de amor cantassem,
mas um vasto silencio, uma vigília de morte
estende céus frios, céus escuros sobre amargos corações.

1960

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)


[Fotografia: Dança dos Tangarás ( Chiroxiphia caudata)]

Bem no fundo


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski

Bondade


Pequena e frágil vive nas pedras uma flor.
Sua doçura contamina a dureza em volta
O mel escorrendo da corola aberta.
Um milagre que sobreviva desprotegida
À merce de ventos, frio e calor...

Assim, como certas almas abençoadas
Presente celeste trazido por anjos.
Mesmo em meio às condições adversas
Onde os corações são como pedra,
Sorriem e só espalham amor.

Helena Frontini
Do Blog da autora.


 [Foto: Edelweiss (Leontopodium alpinum), flor dos Alpes Suíços]

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Os dias não são iguais


Cada dia é único e pertence a si mesmo.
Olhar a manhã que nasce é um descobrimento
Uma fantasia descortinada por um único olhar
Que também se modifica a cada amanhecer...

O tempo passa,escorre entre os dedos...
Há que prender o dia e seus doces momentos
E os momentos em seu breves instantes

-Helena Frontini-

domingo, 4 de maio de 2014

De Airton Souza...

O tempo
não tem
piedade de nós

além de tudo
não sabe curar
saudades

é cego, surdo e mudo
no mundo

e parece saber mais
das coisas da solidão
e do desamor.

Airton Souza

[Arte: Ben Goossens]

Cisne negro


Sempre fui diferente dos demais
A vida, uma esteira de luzes brilhantes
Onde os pés pousavam suavemente.
A diferença estava em minhas asas
Que elevavam-me além dos mortais.
Nunca o medo de cair desastradamente
Do orgulho de ser assim, endeusada.

Um dia as asas fraquejaram letais
Os pés deixaram de ser esvoaçantes
Cabendo a outra meu dom flamejante.
A fama soprou suas últimas brasas
No cerrar de cortinas dos acordes finais.
A vaidade cobrou seu preço justamente
Fazendo do voo, a queda anunciada.

Helena Frontini

No escuro de mim


No escuro de mim
aprisiono vagalumes.
Vagam pelos salões negros
Acariciam as paredes gélidas
E morrem de solidão
Inutilmente.

No escuro de mim
Coleciono pirilampos
Eu os solto
vã tentativa de atrair a lua.

No escuro de mim
Acendo os candelabros
Eles velam os assombros
Que dormem nus, solitários.

No escuro de mim
Eu vigio
para que não morram
Os vagalumes
Não fujam os pirilampos
Não se apaguem
Os candelabros.

Miriam Portela

Nudez


Ela foi se despindo aos poucos.
Primeiro as lágrimas, os risos, os silêncios.
Despenteou os sonhos; alisou as rugas; desabotoou os desejos.
Caminhou lentamente sobre a pele nua e desatou toda a dor.

Miriam Portela

[Arte: Maria Szollosi]

Ilusões



Estes verdes ou pedaços de vida
não serão fáceis nas manhãs frias
onde há prazeres nas asas do vento
eterna passageira que precisa do teu amor.

Você me conheceu vestida de fantasias
deixei acontecer a nossa história
fiquei a olhar pela janela nos jardins
escolhi petúnias à liberdade das borboletas.

Não vale a pena estar distante de você
nunca esperei a solidão calada
nem convidei a noite escura
os desejos nossos são ilusões.

Desta existência selvagem
não chores pelas tardes
em que não cheguei frágil
à transição do sol na fim da tarde.

Caprichos lá adiante ardem
na intensa euforia cativa
no fim a claridade nos portões
que se abrem e revelam segredos.

No interlúdio há controvérsias de fantasias
do mesmo trilho em que flui cor constantes
ao ficar fora das noites enluaradas
tudo são ilusões de um coração peregrino.

Iara Pacini

[Arte: Maria Szollosi]

Não Temas


Não temas as lembranças do passado
Do dourado aos fios de prata
São o relicário mistérios do ontem .

Não temas as estradas a percorrer
Nelas há vida verde e borboletas a revoar
Sonhar com os caminhos percorridos.

Não temas a transição do sol
As cores aparentemente fortes
São frágeis como a luz da noite.

Não temas a passagem do tempo
Ele codifica sentimentos e purifica
Os que passam pela janela sem perceber as horas.

Não temas a luz
Ela deixa rastros fortes
Nos jardins floridos arrematando a doçura.

Não temas os desafetos
Os entraves na ampulheta são festa
De paz e ternuras na alma.

Iara Pacini

[Arte: Ton Dubbeldam]

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Um Dia Depois do Outro


As paredes sorriem é Primavera
Os corredores murmuram ausência
Clementes de presença
Todo o esplendor que nasce
Afaga meu pensamento
De encantos raros...
E não fogem de mim

Te seguro nos meus versos
Nas minhas emoções
Nos meus sonhos que dormem
Em manhãs formosas
Entre lírios e roseirais.

Meu tempo...
...é um dia depois do outro.

Vany Campos
Do livro 'Poemas à Flor Da Pele" vol 4
pág. 410

[Arte: Nossa querida autora em tarde de evento na Livraria Cultura, e eu...] Muito grata querida Iara Pacini, tarde inesquecível para mim.]

MENSAGEM DE ANIVERSÁRIO PARA MARIA MADALENA


Querida Mestra Maria Madalena! 
Hoje é o seu dia. Um dia especial, único, incomparavelmente Justo e Perfeito!
 Dele nem se pode dizer que é apenas mais um daqueles dias para os quais se voltam todas as atenções, lembranças, agradecimentos e congratulações. 
Mas um dia infinitamente seu, incorporado ao acervo poderoso de todos os seus valores e direitos, ao acervo de seu poder pertencido ao seu próprio coração. Um dia especial sim, mas de louvor à sua vida, às suas esperanças, às suas conquistas humanas e patrimoniais como o respeito que faz reconhecido o seu notável patamar de vida espiritual. 
 Todos os outros poderes e louvores devem fazer cessar as próprias manifestações, porque hoje a luz do dia lhe pertence, a voz do vento deve secundarizar a sua natural liberdade e a própria brisa só pode passar em harmonia com sua respiração, e tudo o que se move ao redor de sua vida presencial no mundo deve sossegar para ver o seu dia iluminando todos os outros que já passaram e os que ainda passarão. Parabéns, louvados sejam o seu admirável desprendimento, a sua dignidade, a sua cultura, a sua humildade, os seus contagiantes sentimentos de companheirismo e solidariedade. 
É difícil não amar você como ser humano que é, capaz de transmitir, repassar, ensinar e administrar o próprio carisma com ternura, respeito, admiração e carinho. “Sois?” – perguntamos. E você tem respondido ao mundo: “Sim, como tal meus irmãos me reconhecem!”. 
Fico por aqui pensando em como poder expressar todo o carinho que nutrimos pela sua magnífica presença em nossas vidas... Fico sim, antes que meus olhos embacem-me as lentes... 
Tríplice e fraternal abraço! Deus vele por você e sua família ‘ad in aeternum’... 
Feliz 28/04/2014. 

A. Estebanez/Maria da Guia.

Eternamente agradecida, palavras que jamais se esquecem...

UM DIA ESPECIAL

Agradeço imenso, a querida amiga-irmã poetisa Mary Love por seu formoso poema por ocasião de meu aniversário! 2//04/2014
Quem disse que é preciso a presença física, o repouso dos olhos nos olhos do outro, um aperto de mão, escutar a voz que seja, para perceber o coração que pulsa naquela pessoa que em nós desperta respeito, admiração, um quase encantamento? Não a conheço além desse espaço virtual, querida Madalena, mas alcanço sua sensibilidade e reconheço sua afinidade com o que é belo e nobre, aplaudindo seu bom gosto e sua generosidade despretensiosa de quem é totalmente do bem e ao bem se dedica. Seu jeito de ser deixa marcas de amor na vida de quem a conhece, tamanha sua intensidade e sua capacidade de ser luz, o que faz toda diferença nesse mundo de indiferentes. Parabéns, minha doce e cara precursora de uma era de paz, de fraternidade, de união! Você vive à frente desse tempo, anunciando e semeando sementes para germinar uma nova história, onde todos serão irmãos, em sintonia de sentimentos, somando-se em qualidades e esforçando-se para irem além, sempre em unidade e comunhão. Que venha um novo ano de vida mais leve e mais feliz, com fartos motivos para celebrar, comemorar e agradecer, ao lado dos seus amores e sob as bênçãos de Deus! Receba meu carinhoso abraço de alma, desejando tê-la cada vez mais perto, por ser uma referência de grandiosidade e de elevação, gratificada por sua suave e delicada disposição de distribuir ternura e amorosidade, em seu especial prazer de oferecer poesia, música, a arte em geral, como vetor de humanização dos homens, despertando-os para o sublime, que são capazes de produzir e ou de identificar... 

Selma Regina de Moraes 


 Agradeço imenso suas lindas e carinhosas
palavras. Maria Madalena

quinta-feira, 17 de abril de 2014

'Chuva'

                         
Chove nesta manhã infanta
Imensa em que chamo a saudade
É água pelas calçadas
Rochas que rolam abaixo
Mistura pétalas dálias flores
Dores que amadurecem
Gritos tristes da enxurrada
Da chuva que não cede espaço
Destilando em mim vibrações
Não é medo não é o mesmo
Daquele dia sem fadas
Cúmplices éramos da paz
Da natureza só amores livres
Arbítrios nossos ao calor
Da vida que se calava
Sem forma sem fome
Só entretíamos o tempo
Na esperança do azul celeste
Acasos de arco-íris então
Sem essa chuva de agora.


                         Iara Pacini -2009

Código do texto: T1770953

NOSTALGIA

Recolho o que de bom existiu,
Sinto a falta da casa ao lado,
Onde ainda gorjeiam sabiás,
Nas árvores do jardim,
As borboletas saúdam as flores,
Espalhando pelo ar,
Pólen multicolorido,
Lanço-me a novos rumos,
Tento respirar, engulo as dores,
A nostalgia me invade,
Suspiro, seguindo a luz,
Já não questiono a saudade.

                                   Iára Pacini

                                         21/10/07

Código do texto: T1861107

SAUDADE ALEGRE

 
Da janela vejo a vida
Na paisagem nas belezas
Da tarde florida nos jardins
Pássaros que cantam
Canções de um céu azul.
A bordejar recordações
Presentes em mim
Da criança que fui
E que vivem plenas
Na memória desta tarde
De saudade alegre...enfim.


Iára Pacini
Código do texto: T1873973

''VIVER É''

Viver é quase um sonho
Foi-se minha paz
Em correntes e sopros de ar.

São lágrimas vertidas
Que liberto pra além
Tiro pesadelos da vida.

Agora buscamos brisas
Vôos desimpedidos de razões
Novos sentidos de seguir adiante.

Outros desenhos de rotinas
Mais contrato de emoções
Na constância suave de ser.

Viver é sentir a terra
O pisar da vela acesa
Despertar nestas trovas nossos ais!

Iára Pacini

Set.09
Iára Pacini
Código do texto: T1879447

''LEMBRETE''



Autoria: FLORA FIGUEIREDO

Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.


Flora Figueiredo
Publicado no livro: Calçada de Verão,
Editora Nova Fronteira
Rio de Janeiro, 1989

quarta-feira, 26 de março de 2014

''Outono''


O relógio destila as horas
O tempo célere vai embora
Escondemos nossos medos
Escondidos nos sigilos
Imaginando que ninguém os sabe

Depois como âncoras
Poderemos sentar no mirante
Sentir o amanhecer
As miríades de estrelas
Em noites-dias sem extremos.

No sorriso da paz e do amor
Vencemos as tribulações
As curvas das searas que se põem
Recolhidas nos domingos
De prados verdejantes do outono.

Vany Campos
23-5-2013

Nudez Dos Dias



São palavras leves
Sem peso que saem d´alma
Na nudez de meus dias
Esvaziando meu Eu.

Não sentes os apelos
Meus olhares de puro zelo
Brilhando iluminando
Teus olhos de melancolia.

Sentes apenas o cheiro
Da mata de cada dia
Ilusões perdidas sim
Horas de mergulho em mim .

Vany Campos

''Seivas da alvorada''


Tenho uma rosa suspensa na memória
É uma flor de amor
Onde um rio escorrendo molha a sombra
O tempo deitou raízes na água
Meus olhos assistem comovidos
Meu canto se afoga em borboletas
De que plaga se alça uma flor liberta
Na larguesa de vôos incontidos
A que espumas transidas remonta
Que céus que sonhos sempre a espera
No recesso azul de uma rosa?
Pérola de foco de meus versos
Meu coração se esconde numa sombra
Vestido de palavras
No meu corpo sensível
Pingam gotas de orvalho
Molhando a madrugada
Alimento-me com as seivas da alvorada
Ébrias de estradas.

Vany Campos

'VARIANTES'


As palavras da noite
Fazem esta noite fria
Na tristeza do silêncio
Da minha alma vazia.
Abro as portas do passado
Para ouvir a voz do tempo
Na música do vento
Canções ainda acordadas.
No umbral de meu templo
Quase me perco de mim
Ou qualquer coisa assim
Que em silêncio contemplo.


Vany Campos
Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2010

''Coroa de Rosas''



Coroem-me de rosas
Entre folhas breves
Que se desfolhem
E desapareçam
Antes que eu veja
Sua peleja pela vida
Ao anoitecer
Molhadas de estrelas
Que descem do céu
Para entretê-las
Não quero um lírio
Agonizando de frio
Prefiro rosas que perfumem
Meu jardim,
Rosas de folhas breves
Que se desfolhem diante de mim
E exalem seu perfume
Mesmo entre jasmins.

Vany Campos.
19/08/2008


[Arte:  Jules Scalbert]

POETAS BRASILEIROS

 
VANY CAMPOS
22 de Fevereiro, 1925, Rio Grande do Sul.

Poetisa gaúcha, nascida na Coxilha dos Campos, descobriu-se, assim como Cora Coralina, poeta na maturidade. É ativista cultural em sua terra natal, onde ocorre anualmente uma feira de cultura que leva seu nome. Este evento dá oportunidades aos alunos da rede pública de ensino de participar de um concurso de poesia e terem seus textos publicados em livros. Reside na Cidade de Porto Alegre, com filhos, netos e bisnetos, cercada de amor e carinho. Sua verve poética brota das lembranças vivenciadas em sua infância e de suas experiências vividas, com a alegria e melancolia que permeiam seu coração.
Participou das seguintes antologias:

 “Casa do Poeta Rio-Grandense 43 anos” (Editora Alcance, 2007),
 “Congresso Brasileiro de Poesia” (Editora Alcance, 2007),
“Poetas pela Paz e Justiça Social” (Editora Alcance, 2007) ,
“Nas Asas da Paz” (Editora Alternativa, 2007),
“Poeta, Mostra a tua cara” (2008) e
 “Poemas à flor da pele” (2008 e 2009, 2013).

Pequena Biografia
Recanto das letras, página da autora.

'PAISAGEM MARAJOARA'


Da migração úmida e mansa do crepúsculo
ficou um olor de maresia brava,
lambendo o limo lodoso das raízes.
A lua, ciumenta e oca,
encolhida e acuada,
espia desconfiada,
pelas frestas da mata,
a terra grávida de sombras e silêncios...
O vento é um passarão agourento
voando por sobre os contornos ondulantes
da grande ilha supersticiosa
de litorais iluminados
pelos olhos da buiúna.

Adalcinda Camarão
Poesia do Grão-Pará, 2001(Seleção e notas Olga Savary)

''ANSEIO''


Ah, eu quisera ser aquela árvore
coberta pelas garças brancas de vôo incerto!
Árvore plantada pelo acaso
à margem do rio enorme!
Árvore de frondes anantos,
desejosa, quase humana,
que se arrepia ao contato
das penas dos papagaios que passam!
Árvore que tem o grande amor do vento
e que da sombra para o gado descansar.
Árvore estéril, árvore bela, árvore fresca,
árvore amante de todos os crepúsculos,
no solstício do inverno ou do verão,
Árvore do pensamento das outras árvores!

Adalcinda Camarão
Poesia do Grão-Pará, 2001(Seleção e notas Olga Savary)

''Despedida''


Pediste-me qualquer coisa.
Qualquer coisa de meu muito íntimo
que me cobrisse o corpo…
Que me tocasse a pele arrepiada,
E como pra te dar eu não tivesse nada,
E como só a escuridão me envolvesse
pelos olhos, pelos ombros,
pelo ventre morno e mofino,
eu te dei de presente a minha noite enorme,
a minha grande noite sem memória e sem destino!

Adalcinda Camarão,
do livro "Poesia do Grão-Pará" (seleção e notas de Olga Savary). Rio, Graphia, 2001.

[Arte: Bayram Salamov]

POETAS BRASILEIROS





Adalcinda Camarão
(1914-2005) – Pará-

Adalcinda Magno Camarão Luxardo
Poetisa paraense, nasceu em Muaná, no arquipélago marajoara e faleceu aos 91 anos em Belém.

Integrou a primeira geração de poetas influenciados pelo modenismo e regionalismo ainda na década de 30. Com Cléo Bernardo participou da revista literária Terra Imatura, em 1938.

Nas décadas seguintes teve participação ativa no cenário literário paraense, recebida como membro efetiva e perpétua da Academia Paraense de Letras em janeiro de 1959, ocupou a cadeira nº 17 e teve como patrono Felipe Patroni.
Publicou obras de poesia, além de peças teatrais. Foi figura central na era de ouro do rádio, tendo pontificado na antiga PRC-5, “a voz que canta e fala para a planície”.
Viveu muitos anos nos Estados Unidos, fazendo carreira no magistério da língua portuguesa, tendo sido funcionária da embaixada brasileira em washington D.C., de 1961 a 1988.
Sua poesia, que encanta pela suavidade e lirismo, está registrada em diversas publicações, dentre as quais Vidências (1943), Entre Espelhos e Estrelas (1953), Folhas (1978), À sombra das Cerejeiras (1989) e Antologia Poética (1995).

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

'Malha Delicada!



Alma, moço, é malha delicada
e destramá-la é ofício
de fiandeira ao contrário

alma é vaso
de porcelana chinesa
não vá entorná-la na mesa
quando puxar a toalha.

Chandal Meirelles Nasser

'Antes e depois'


Antes era o passado com seu jogo
O futuro do mundo entre nós
Juntos nessa viagem da razão
Almas e fé confortando o coração.

Depois veio o falar dos poetas
Cada um a seu e jeito de expressão
Feitio de poema de diferentes linhas
Essa é a doce espera do depois.

Agora é verão com seu balé
Que conversa com a primavera
Sobre ausências sentimentos tantos
Adentra em nós pela saudade que sobrou.

Vany Campos

'Conhecendo limites'


Conhecer limites:

ser pássaro sem voo
jamais alçar ao espaço.

Obedecer a lei do quotidiano:

arma engatilhada
que instaura o silêncio.

Armadilha do escuro
dos dias contados.

Desaprender o riso:

trágico destino do Ser
ante o abismo.

Margarida Finkel


[Arte de Vladimir Kush]

'MONÓLOGO ENTRE SETAS'


Antigamente amei, e contemplei o absurdo
como alguém se mira num espelho que não vê
ou uma quilha de navio, ao entrar na baía,
desorienta um cardume de peixes.

De tanto amor amado, ficou um barulho cada vez mais
[fraco
igual a um rumor de casa pela manhã
ou aos motores de um avião na névoa, sobrevoando uma
[cidade.
E era um amor grande como a eternidade vista do tempo.

Nada me comove agora, nem a paixão bebida entre
[relâmpagos.
Sou perpendicular ao tédio, imito um remo fixo n'água.
No vaivém da vida, a canoa balança, os céus resplandecem
e, insensível à dor, como uma pedra, evapora-me nas águas
[abstratas.

Lêdo Ivo
In Antologia Poética


 [Art by Sera Knight]

''NOTÍCIA DO SÁBADO MAGRO''


Bailemos todos, que a noite
dura apenas um suspiro,
e só temos um minuto
para gastar nossas vidas.

Bailemos. Benditos sejam
cegos, loucos e mendigos,
que, embora não bailam nunca,
vão ganhar o Paraíso.

Tudo agora se assemelha
ao sonho de nossa infância:
entre fanfarras e gritos,
máscaras em negro e branco.

No turbilhão dos bailantes,
benditos sejam palhaços
que não foram convidados
para este sábado magro.

E também sejam benditos
as cartomantes e o mágicos.
Bailemos todos, que a vida
não passará deste sábado.

No império do calafrio,
benditos sejam os amantes,
bêbedos e saltimbancos.
E bendita seja a infância.

Bailemos: a vida é breve.
Cantemos: a saia é leve.
Bebamos: é de cevada
o sonho de nossa treva.

Uma nova fantasia
à luz purpúrea se talha.
No escuro já se costura
nossa futura mortalha.

Lêdo Ivo
In Antologia Poética


[Painting by Sera Knight]

domingo, 9 de novembro de 2014

TRÊS ORQUÍDEAS*



(Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)
[Cinquenta anos sem Cecília...]


TRÊS ORQUÍDEAS*

 
As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus olhos roxos.
Elas são alvas, toda pureza,
com uma leve mácula violácea para uma pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? Que dia? Dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o terno e o efêmero e queria fazer o efêmero eterno.

As três orquídeas brancas eu sonharia que durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Que elas não vêem o mundo, que o mundo as visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu desaparecimento.
E aspira sobre elas a gentileza igualmente frágil, a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha vida.

Durai, durai, flores, como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes colhidas,
que escrevo para perdurares em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de alabastro.

Cecília Meireles
In "Flor de Poemas" 


 *Último poema de Cecília Meireles, escrito no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro, em agosto de 1964.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

INFÂNCIA



Quando recordo  o tempo  de criança
revivendo aquela fase linda,
envolvo-me em  magia mansa
julgando-me ser criança ainda!

Temos sempre e sentimos  dentro de nós
um pouco da linda e frágil criança,
aquela que vive simplesmente a sós
imaginando sonhos de esperança.

E neste vai e vem de nossa vida,
vez em quando uma lembrança remexida
nos torna feliz, momentaneamente.

Quase sempre é a imagem colorida
através de uma lágrima escorrida,
lembrando a criança  que fomos antigamente.


Celeste Laus
In A Décima Carta

A gente vai indo...
crescendo...vivendo...
chorando ou sorrindo...
e no vaivém
- da vida,
retorna ao passado:
uma série de ocorrências
acumulam-se
em nossa mente,
cheias de beleza
ou de maldade,
e... no giro, girando
a gente fica,
ficando sempre a pensar
se tudo aquilo
foi mentira,
ou se realmente é verdade
o que nos surpreende
num momento
- de saudade.


Celeste Laus
In Um Pedaço de Papel


Escritora nascida em  Tijucas em 1911. Filha de Minervina e Rodolfo Laus.
Poetisa consagrada de Santa Catarina. Autora de Caderno de Sonhos, Poemas Escolhidos e Seleção de Poemas, Um pedaço de Papel, etc...


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SONHANDO


Ensimesmada passando pela vida
Buscando respostas, encontrando perguntas
Perdidas nos tempos, perguntas velhas,
Cansadas, Irrespondíveis...



Fugindo do sol, buscando crepúsculos
Amanhecendo noites, perdendo auroras
Buscando ternura, comprometida com a solidão
Nessa louca e rápida passagem – Chamada Vida –


Quero preencher as ausências,
Fazer acontecer a alegria
Dourar as horas, alegrar a melancolia.


Afinal sonhar é de alguma forma viver.


Anna Carlini
(Pseudônimo)
1949
[Arte: Catrin Welz Stein]

domingo, 6 de julho de 2014

POEMA



Duro caminho é o saber que não há caminho.
O que há são fragmentos de rota que o tecido do acaso
une ou desune. Estar, andar. Identificar-se com as coisas,
com o tempo. Estar aqui, ali. Estar antigamente, estar futuro,
ou buscar-se no espelho onde não há espelho.
Isso é tudo.
Mesmo assim nos sonhamos, e sonhamos
um roteiro, um destino.
Não no espaço, ou no tempo,
mas na parte de nós, ah, tão frágil, que se devora
e, perdida, se salva.

Emílio Moura
In: Itinerário Poético
Entre o Real e a Fabula

OS VERSOS QUE TE DOU


Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei  depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.

J. G. de Araújo Jorge* 
do livro “Meu céu interior”, Editora Vecchi – Rio de Janeiro, 1934.


 *José Guilherme de Araújo Jorge - nasceu na Vila de Tarauacá, no Estado do Acre, aos 20 de maio de 1914. Ainda jovem iniciou-se na poesia. Estudou em Coimbra, Portugal, e fez curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim, Alemanha. Além de escritor, locutor e redator de programas radiofônicos, professor de História e Literatura, líder estudantil, tinha política em suas veias. Foi candidato a vários cargos públicos. Elegeu-se deputado federal pelo Estado da Guanabara, em 1970. Foi reeleito em 1974 e 1978. Mesmo combatidos pelos críticos, seus livros — em número de 36 — tinham grande aceitação e foram publicados em diversos países. Faleceu no dia 27 de janeiro de 1987.

'TRUMPET'S BLUES'



O dia se foi.
A lua é um nada,
O vento é frio.
Passado, presente

Futuro – é isso:
Um cigarro aceso,
Uma tosse no meio da praça,
Um estalar de dedos na outra esquina.

Então, lá no fundo,
No meio da cidade,
Alguém começa a gritar
Pelo bocal de um piston.


Sérgio Jockyman*
De ‘Poemas em negro’, pag 47
Imprensa Oficial do Estado – 1958-

[Tela by Ted Hornes, Blues Silhouette]

quinta-feira, 22 de maio de 2014

“Todas as aves do mundo de amor cantavam ...”


Todas as aves do mundo de amor cantavam...
e os grandes horizontes se estendiam multicores
e os dias da vida eram tão raros ainda
que se podiam enumerar, só por suas lembranças.

“Todas as aves do mundo de amor cantavam...”
mas grandes mares se abriram para passagens belas como ritos,
e os dias se tornaram tão numerosos e densos e duros
como essas pedras das fortalezas em montanhas antigas.

E agora são na verdade os dias inumeráveis
e cada um com sua angustia, e todos eles se entrechocam,
e a noite vem mais cedo há tempestades entre as nuvens.

E eu queria que todas as aves do mundo de amor cantassem,
mas um vasto silencio, uma vigília de morte
estende céus frios, céus escuros sobre amargos corações.

1960

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)


[Fotografia: Dança dos Tangarás ( Chiroxiphia caudata)]

Bem no fundo


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Paulo Leminski

Bondade


Pequena e frágil vive nas pedras uma flor.
Sua doçura contamina a dureza em volta
O mel escorrendo da corola aberta.
Um milagre que sobreviva desprotegida
À merce de ventos, frio e calor...

Assim, como certas almas abençoadas
Presente celeste trazido por anjos.
Mesmo em meio às condições adversas
Onde os corações são como pedra,
Sorriem e só espalham amor.

Helena Frontini
Do Blog da autora.


 [Foto: Edelweiss (Leontopodium alpinum), flor dos Alpes Suíços]

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Os dias não são iguais


Cada dia é único e pertence a si mesmo.
Olhar a manhã que nasce é um descobrimento
Uma fantasia descortinada por um único olhar
Que também se modifica a cada amanhecer...

O tempo passa,escorre entre os dedos...
Há que prender o dia e seus doces momentos
E os momentos em seu breves instantes

-Helena Frontini-

domingo, 4 de maio de 2014

De Airton Souza...

O tempo
não tem
piedade de nós

além de tudo
não sabe curar
saudades

é cego, surdo e mudo
no mundo

e parece saber mais
das coisas da solidão
e do desamor.

Airton Souza

[Arte: Ben Goossens]

Cisne negro


Sempre fui diferente dos demais
A vida, uma esteira de luzes brilhantes
Onde os pés pousavam suavemente.
A diferença estava em minhas asas
Que elevavam-me além dos mortais.
Nunca o medo de cair desastradamente
Do orgulho de ser assim, endeusada.

Um dia as asas fraquejaram letais
Os pés deixaram de ser esvoaçantes
Cabendo a outra meu dom flamejante.
A fama soprou suas últimas brasas
No cerrar de cortinas dos acordes finais.
A vaidade cobrou seu preço justamente
Fazendo do voo, a queda anunciada.

Helena Frontini

No escuro de mim


No escuro de mim
aprisiono vagalumes.
Vagam pelos salões negros
Acariciam as paredes gélidas
E morrem de solidão
Inutilmente.

No escuro de mim
Coleciono pirilampos
Eu os solto
vã tentativa de atrair a lua.

No escuro de mim
Acendo os candelabros
Eles velam os assombros
Que dormem nus, solitários.

No escuro de mim
Eu vigio
para que não morram
Os vagalumes
Não fujam os pirilampos
Não se apaguem
Os candelabros.

Miriam Portela

Nudez


Ela foi se despindo aos poucos.
Primeiro as lágrimas, os risos, os silêncios.
Despenteou os sonhos; alisou as rugas; desabotoou os desejos.
Caminhou lentamente sobre a pele nua e desatou toda a dor.

Miriam Portela

[Arte: Maria Szollosi]

Ilusões



Estes verdes ou pedaços de vida
não serão fáceis nas manhãs frias
onde há prazeres nas asas do vento
eterna passageira que precisa do teu amor.

Você me conheceu vestida de fantasias
deixei acontecer a nossa história
fiquei a olhar pela janela nos jardins
escolhi petúnias à liberdade das borboletas.

Não vale a pena estar distante de você
nunca esperei a solidão calada
nem convidei a noite escura
os desejos nossos são ilusões.

Desta existência selvagem
não chores pelas tardes
em que não cheguei frágil
à transição do sol na fim da tarde.

Caprichos lá adiante ardem
na intensa euforia cativa
no fim a claridade nos portões
que se abrem e revelam segredos.

No interlúdio há controvérsias de fantasias
do mesmo trilho em que flui cor constantes
ao ficar fora das noites enluaradas
tudo são ilusões de um coração peregrino.

Iara Pacini

[Arte: Maria Szollosi]

Não Temas


Não temas as lembranças do passado
Do dourado aos fios de prata
São o relicário mistérios do ontem .

Não temas as estradas a percorrer
Nelas há vida verde e borboletas a revoar
Sonhar com os caminhos percorridos.

Não temas a transição do sol
As cores aparentemente fortes
São frágeis como a luz da noite.

Não temas a passagem do tempo
Ele codifica sentimentos e purifica
Os que passam pela janela sem perceber as horas.

Não temas a luz
Ela deixa rastros fortes
Nos jardins floridos arrematando a doçura.

Não temas os desafetos
Os entraves na ampulheta são festa
De paz e ternuras na alma.

Iara Pacini

[Arte: Ton Dubbeldam]

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Um Dia Depois do Outro


As paredes sorriem é Primavera
Os corredores murmuram ausência
Clementes de presença
Todo o esplendor que nasce
Afaga meu pensamento
De encantos raros...
E não fogem de mim

Te seguro nos meus versos
Nas minhas emoções
Nos meus sonhos que dormem
Em manhãs formosas
Entre lírios e roseirais.

Meu tempo...
...é um dia depois do outro.

Vany Campos
Do livro 'Poemas à Flor Da Pele" vol 4
pág. 410

[Arte: Nossa querida autora em tarde de evento na Livraria Cultura, e eu...] Muito grata querida Iara Pacini, tarde inesquecível para mim.]

MENSAGEM DE ANIVERSÁRIO PARA MARIA MADALENA


Querida Mestra Maria Madalena! 
Hoje é o seu dia. Um dia especial, único, incomparavelmente Justo e Perfeito!
 Dele nem se pode dizer que é apenas mais um daqueles dias para os quais se voltam todas as atenções, lembranças, agradecimentos e congratulações. 
Mas um dia infinitamente seu, incorporado ao acervo poderoso de todos os seus valores e direitos, ao acervo de seu poder pertencido ao seu próprio coração. Um dia especial sim, mas de louvor à sua vida, às suas esperanças, às suas conquistas humanas e patrimoniais como o respeito que faz reconhecido o seu notável patamar de vida espiritual. 
 Todos os outros poderes e louvores devem fazer cessar as próprias manifestações, porque hoje a luz do dia lhe pertence, a voz do vento deve secundarizar a sua natural liberdade e a própria brisa só pode passar em harmonia com sua respiração, e tudo o que se move ao redor de sua vida presencial no mundo deve sossegar para ver o seu dia iluminando todos os outros que já passaram e os que ainda passarão. Parabéns, louvados sejam o seu admirável desprendimento, a sua dignidade, a sua cultura, a sua humildade, os seus contagiantes sentimentos de companheirismo e solidariedade. 
É difícil não amar você como ser humano que é, capaz de transmitir, repassar, ensinar e administrar o próprio carisma com ternura, respeito, admiração e carinho. “Sois?” – perguntamos. E você tem respondido ao mundo: “Sim, como tal meus irmãos me reconhecem!”. 
Fico por aqui pensando em como poder expressar todo o carinho que nutrimos pela sua magnífica presença em nossas vidas... Fico sim, antes que meus olhos embacem-me as lentes... 
Tríplice e fraternal abraço! Deus vele por você e sua família ‘ad in aeternum’... 
Feliz 28/04/2014. 

A. Estebanez/Maria da Guia.

Eternamente agradecida, palavras que jamais se esquecem...

UM DIA ESPECIAL

Agradeço imenso, a querida amiga-irmã poetisa Mary Love por seu formoso poema por ocasião de meu aniversário! 2//04/2014
Quem disse que é preciso a presença física, o repouso dos olhos nos olhos do outro, um aperto de mão, escutar a voz que seja, para perceber o coração que pulsa naquela pessoa que em nós desperta respeito, admiração, um quase encantamento? Não a conheço além desse espaço virtual, querida Madalena, mas alcanço sua sensibilidade e reconheço sua afinidade com o que é belo e nobre, aplaudindo seu bom gosto e sua generosidade despretensiosa de quem é totalmente do bem e ao bem se dedica. Seu jeito de ser deixa marcas de amor na vida de quem a conhece, tamanha sua intensidade e sua capacidade de ser luz, o que faz toda diferença nesse mundo de indiferentes. Parabéns, minha doce e cara precursora de uma era de paz, de fraternidade, de união! Você vive à frente desse tempo, anunciando e semeando sementes para germinar uma nova história, onde todos serão irmãos, em sintonia de sentimentos, somando-se em qualidades e esforçando-se para irem além, sempre em unidade e comunhão. Que venha um novo ano de vida mais leve e mais feliz, com fartos motivos para celebrar, comemorar e agradecer, ao lado dos seus amores e sob as bênçãos de Deus! Receba meu carinhoso abraço de alma, desejando tê-la cada vez mais perto, por ser uma referência de grandiosidade e de elevação, gratificada por sua suave e delicada disposição de distribuir ternura e amorosidade, em seu especial prazer de oferecer poesia, música, a arte em geral, como vetor de humanização dos homens, despertando-os para o sublime, que são capazes de produzir e ou de identificar... 

Selma Regina de Moraes 


 Agradeço imenso suas lindas e carinhosas
palavras. Maria Madalena

quinta-feira, 17 de abril de 2014

'Chuva'

                         
Chove nesta manhã infanta
Imensa em que chamo a saudade
É água pelas calçadas
Rochas que rolam abaixo
Mistura pétalas dálias flores
Dores que amadurecem
Gritos tristes da enxurrada
Da chuva que não cede espaço
Destilando em mim vibrações
Não é medo não é o mesmo
Daquele dia sem fadas
Cúmplices éramos da paz
Da natureza só amores livres
Arbítrios nossos ao calor
Da vida que se calava
Sem forma sem fome
Só entretíamos o tempo
Na esperança do azul celeste
Acasos de arco-íris então
Sem essa chuva de agora.


                         Iara Pacini -2009

Código do texto: T1770953

NOSTALGIA

Recolho o que de bom existiu,
Sinto a falta da casa ao lado,
Onde ainda gorjeiam sabiás,
Nas árvores do jardim,
As borboletas saúdam as flores,
Espalhando pelo ar,
Pólen multicolorido,
Lanço-me a novos rumos,
Tento respirar, engulo as dores,
A nostalgia me invade,
Suspiro, seguindo a luz,
Já não questiono a saudade.

                                   Iára Pacini

                                         21/10/07

Código do texto: T1861107

SAUDADE ALEGRE

 
Da janela vejo a vida
Na paisagem nas belezas
Da tarde florida nos jardins
Pássaros que cantam
Canções de um céu azul.
A bordejar recordações
Presentes em mim
Da criança que fui
E que vivem plenas
Na memória desta tarde
De saudade alegre...enfim.


Iára Pacini
Código do texto: T1873973

''VIVER É''

Viver é quase um sonho
Foi-se minha paz
Em correntes e sopros de ar.

São lágrimas vertidas
Que liberto pra além
Tiro pesadelos da vida.

Agora buscamos brisas
Vôos desimpedidos de razões
Novos sentidos de seguir adiante.

Outros desenhos de rotinas
Mais contrato de emoções
Na constância suave de ser.

Viver é sentir a terra
O pisar da vela acesa
Despertar nestas trovas nossos ais!

Iára Pacini

Set.09
Iára Pacini
Código do texto: T1879447

''LEMBRETE''



Autoria: FLORA FIGUEIREDO

Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.


Flora Figueiredo
Publicado no livro: Calçada de Verão,
Editora Nova Fronteira
Rio de Janeiro, 1989

quarta-feira, 26 de março de 2014

''Outono''


O relógio destila as horas
O tempo célere vai embora
Escondemos nossos medos
Escondidos nos sigilos
Imaginando que ninguém os sabe

Depois como âncoras
Poderemos sentar no mirante
Sentir o amanhecer
As miríades de estrelas
Em noites-dias sem extremos.

No sorriso da paz e do amor
Vencemos as tribulações
As curvas das searas que se põem
Recolhidas nos domingos
De prados verdejantes do outono.

Vany Campos
23-5-2013

Nudez Dos Dias



São palavras leves
Sem peso que saem d´alma
Na nudez de meus dias
Esvaziando meu Eu.

Não sentes os apelos
Meus olhares de puro zelo
Brilhando iluminando
Teus olhos de melancolia.

Sentes apenas o cheiro
Da mata de cada dia
Ilusões perdidas sim
Horas de mergulho em mim .

Vany Campos

''Seivas da alvorada''


Tenho uma rosa suspensa na memória
É uma flor de amor
Onde um rio escorrendo molha a sombra
O tempo deitou raízes na água
Meus olhos assistem comovidos
Meu canto se afoga em borboletas
De que plaga se alça uma flor liberta
Na larguesa de vôos incontidos
A que espumas transidas remonta
Que céus que sonhos sempre a espera
No recesso azul de uma rosa?
Pérola de foco de meus versos
Meu coração se esconde numa sombra
Vestido de palavras
No meu corpo sensível
Pingam gotas de orvalho
Molhando a madrugada
Alimento-me com as seivas da alvorada
Ébrias de estradas.

Vany Campos

'VARIANTES'


As palavras da noite
Fazem esta noite fria
Na tristeza do silêncio
Da minha alma vazia.
Abro as portas do passado
Para ouvir a voz do tempo
Na música do vento
Canções ainda acordadas.
No umbral de meu templo
Quase me perco de mim
Ou qualquer coisa assim
Que em silêncio contemplo.


Vany Campos
Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2010

''Coroa de Rosas''



Coroem-me de rosas
Entre folhas breves
Que se desfolhem
E desapareçam
Antes que eu veja
Sua peleja pela vida
Ao anoitecer
Molhadas de estrelas
Que descem do céu
Para entretê-las
Não quero um lírio
Agonizando de frio
Prefiro rosas que perfumem
Meu jardim,
Rosas de folhas breves
Que se desfolhem diante de mim
E exalem seu perfume
Mesmo entre jasmins.

Vany Campos.
19/08/2008


[Arte:  Jules Scalbert]

POETAS BRASILEIROS

 
VANY CAMPOS
22 de Fevereiro, 1925, Rio Grande do Sul.

Poetisa gaúcha, nascida na Coxilha dos Campos, descobriu-se, assim como Cora Coralina, poeta na maturidade. É ativista cultural em sua terra natal, onde ocorre anualmente uma feira de cultura que leva seu nome. Este evento dá oportunidades aos alunos da rede pública de ensino de participar de um concurso de poesia e terem seus textos publicados em livros. Reside na Cidade de Porto Alegre, com filhos, netos e bisnetos, cercada de amor e carinho. Sua verve poética brota das lembranças vivenciadas em sua infância e de suas experiências vividas, com a alegria e melancolia que permeiam seu coração.
Participou das seguintes antologias:

 “Casa do Poeta Rio-Grandense 43 anos” (Editora Alcance, 2007),
 “Congresso Brasileiro de Poesia” (Editora Alcance, 2007),
“Poetas pela Paz e Justiça Social” (Editora Alcance, 2007) ,
“Nas Asas da Paz” (Editora Alternativa, 2007),
“Poeta, Mostra a tua cara” (2008) e
 “Poemas à flor da pele” (2008 e 2009, 2013).

Pequena Biografia
Recanto das letras, página da autora.

'PAISAGEM MARAJOARA'


Da migração úmida e mansa do crepúsculo
ficou um olor de maresia brava,
lambendo o limo lodoso das raízes.
A lua, ciumenta e oca,
encolhida e acuada,
espia desconfiada,
pelas frestas da mata,
a terra grávida de sombras e silêncios...
O vento é um passarão agourento
voando por sobre os contornos ondulantes
da grande ilha supersticiosa
de litorais iluminados
pelos olhos da buiúna.

Adalcinda Camarão
Poesia do Grão-Pará, 2001(Seleção e notas Olga Savary)

''ANSEIO''


Ah, eu quisera ser aquela árvore
coberta pelas garças brancas de vôo incerto!
Árvore plantada pelo acaso
à margem do rio enorme!
Árvore de frondes anantos,
desejosa, quase humana,
que se arrepia ao contato
das penas dos papagaios que passam!
Árvore que tem o grande amor do vento
e que da sombra para o gado descansar.
Árvore estéril, árvore bela, árvore fresca,
árvore amante de todos os crepúsculos,
no solstício do inverno ou do verão,
Árvore do pensamento das outras árvores!

Adalcinda Camarão
Poesia do Grão-Pará, 2001(Seleção e notas Olga Savary)

''Despedida''


Pediste-me qualquer coisa.
Qualquer coisa de meu muito íntimo
que me cobrisse o corpo…
Que me tocasse a pele arrepiada,
E como pra te dar eu não tivesse nada,
E como só a escuridão me envolvesse
pelos olhos, pelos ombros,
pelo ventre morno e mofino,
eu te dei de presente a minha noite enorme,
a minha grande noite sem memória e sem destino!

Adalcinda Camarão,
do livro "Poesia do Grão-Pará" (seleção e notas de Olga Savary). Rio, Graphia, 2001.

[Arte: Bayram Salamov]

POETAS BRASILEIROS





Adalcinda Camarão
(1914-2005) – Pará-

Adalcinda Magno Camarão Luxardo
Poetisa paraense, nasceu em Muaná, no arquipélago marajoara e faleceu aos 91 anos em Belém.

Integrou a primeira geração de poetas influenciados pelo modenismo e regionalismo ainda na década de 30. Com Cléo Bernardo participou da revista literária Terra Imatura, em 1938.

Nas décadas seguintes teve participação ativa no cenário literário paraense, recebida como membro efetiva e perpétua da Academia Paraense de Letras em janeiro de 1959, ocupou a cadeira nº 17 e teve como patrono Felipe Patroni.
Publicou obras de poesia, além de peças teatrais. Foi figura central na era de ouro do rádio, tendo pontificado na antiga PRC-5, “a voz que canta e fala para a planície”.
Viveu muitos anos nos Estados Unidos, fazendo carreira no magistério da língua portuguesa, tendo sido funcionária da embaixada brasileira em washington D.C., de 1961 a 1988.
Sua poesia, que encanta pela suavidade e lirismo, está registrada em diversas publicações, dentre as quais Vidências (1943), Entre Espelhos e Estrelas (1953), Folhas (1978), À sombra das Cerejeiras (1989) e Antologia Poética (1995).

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

'Malha Delicada!



Alma, moço, é malha delicada
e destramá-la é ofício
de fiandeira ao contrário

alma é vaso
de porcelana chinesa
não vá entorná-la na mesa
quando puxar a toalha.

Chandal Meirelles Nasser

'Antes e depois'


Antes era o passado com seu jogo
O futuro do mundo entre nós
Juntos nessa viagem da razão
Almas e fé confortando o coração.

Depois veio o falar dos poetas
Cada um a seu e jeito de expressão
Feitio de poema de diferentes linhas
Essa é a doce espera do depois.

Agora é verão com seu balé
Que conversa com a primavera
Sobre ausências sentimentos tantos
Adentra em nós pela saudade que sobrou.

Vany Campos

'Conhecendo limites'


Conhecer limites:

ser pássaro sem voo
jamais alçar ao espaço.

Obedecer a lei do quotidiano:

arma engatilhada
que instaura o silêncio.

Armadilha do escuro
dos dias contados.

Desaprender o riso:

trágico destino do Ser
ante o abismo.

Margarida Finkel


[Arte de Vladimir Kush]

'MONÓLOGO ENTRE SETAS'


Antigamente amei, e contemplei o absurdo
como alguém se mira num espelho que não vê
ou uma quilha de navio, ao entrar na baía,
desorienta um cardume de peixes.

De tanto amor amado, ficou um barulho cada vez mais
[fraco
igual a um rumor de casa pela manhã
ou aos motores de um avião na névoa, sobrevoando uma
[cidade.
E era um amor grande como a eternidade vista do tempo.

Nada me comove agora, nem a paixão bebida entre
[relâmpagos.
Sou perpendicular ao tédio, imito um remo fixo n'água.
No vaivém da vida, a canoa balança, os céus resplandecem
e, insensível à dor, como uma pedra, evapora-me nas águas
[abstratas.

Lêdo Ivo
In Antologia Poética


 [Art by Sera Knight]

''NOTÍCIA DO SÁBADO MAGRO''


Bailemos todos, que a noite
dura apenas um suspiro,
e só temos um minuto
para gastar nossas vidas.

Bailemos. Benditos sejam
cegos, loucos e mendigos,
que, embora não bailam nunca,
vão ganhar o Paraíso.

Tudo agora se assemelha
ao sonho de nossa infância:
entre fanfarras e gritos,
máscaras em negro e branco.

No turbilhão dos bailantes,
benditos sejam palhaços
que não foram convidados
para este sábado magro.

E também sejam benditos
as cartomantes e o mágicos.
Bailemos todos, que a vida
não passará deste sábado.

No império do calafrio,
benditos sejam os amantes,
bêbedos e saltimbancos.
E bendita seja a infância.

Bailemos: a vida é breve.
Cantemos: a saia é leve.
Bebamos: é de cevada
o sonho de nossa treva.

Uma nova fantasia
à luz purpúrea se talha.
No escuro já se costura
nossa futura mortalha.

Lêdo Ivo
In Antologia Poética


[Painting by Sera Knight]