Seja bem-vindo. Hoje é

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Reflexões



Um barco passa ao longe
Na linha do horizonte.

Passa o tempo,
uma alegria, alguns sorrisos
Muitos sonhos, algumas dores
Muitos amores, poucas verdades

Um adeus,
algumas lágrimas, recordações
como no horizonte ao pôr-do-sol
Vão se esfumando as lembranças

Que importa se desce a sombra
Se tudo já é passado.
Navega comigo,
Até que a noite desapareça.

Ana Carlini

sábado, 28 de novembro de 2009

AS COLEÇÕES



Em primeiro lugar as magnólias.
Com seus cálices
e corolas: aquarelas
de todas as tonalidades e suma
delicadeza do toque.
Pequena aurora diluída
com doçura, nos tanques.


Depois a musica: frêmito
e susto de passaro.
As valsas – que sorrateiras. E as flautas.
As noites com flauta sob a janela
inaugurando a lua nascida
para o suspirado amor.


Mais tarde os campos, as grutas,
a maravilha. E o caos.
Com seus favos e suas hidras,
o mundo. O mar com seus apelos,
horizontes para o éter,
desespero em mergulho.


Com o tempo, o ocaso. As lentas
plumas, os reposteiros
com seus moucos ouvidos,
a tíbia madeira para
o resguardo das cinzas,
as entabulações – e com que recuos –
da paz.


Finalmente os endurecidos espelhos,
os cristais sob o quebra-luz,
dos ângulos o verniz,
o ouro com parcimônia, a prata,
o marfim com seus esqueletos.


Henriqueta Lisboa
In:'A Flor da Morte' (1945-1949)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"SALMO DO SILÊNCIO"



Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.


Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.


Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível.


Yttérbio Homem de Siqueira
de "Abismo Intacto"
(1932-1981-RG do Norte)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ÁRIA PARA VIOLINO


Para nadar no silêncio
ergo as mãos extraviadas;

são estrelas acordadas,
ou meu eco em seu silêncio.

Escorre pelo que sinto
meu perfil escrito e ouvido

e em som e cor divido
entre mim e o que não sinto.

Colombo de Souza
in:Estágio
(Curitiba-1920)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O EXÍLIO



(da terceira Rosa do Oriente)

Insensato destino, ao roubar-me a ventura,
de ser rosa nos campos do meu florescer.
De furtar-me os mistérios da extrema doçura,
que um profano cultivo não sabe antever.

Exilada a um terreno deserto, de agrura...
O esplendor do meu ser faz, em mim, fenecer!
No mosaico de um chão, sem calor, sem ternura,
me retorno aprendiz... Não mais quero viver!

Jogo ao vento os retalhos banhados de orvalho,
guardo o verde florir e em negror me agasalho...
Dantes, se rosa fui... Hoje sou flor qualquer.

Pois quem foi meu poeta, ficou tão distante...
Pereceu na perfídia do agora inconstante...
E da rosa não resta o perfume, sequer!


- Sarai Jahwel -

'TERCEIRA ROSA DO ORIENTE'



Ô, insensatez humana convencer as rosas
de que das rosas todo o tema se esgotou!
Quantos mistérios há nas faces luminosas
das rosas da manhã que ainda não raiou...

As rosas são dotadas de almas poderosas
que o escultor das primaveras reinventou
num paradoxo de impressões prodigiosas
tal retocar a flor que Deus não terminou.

Eu canto as rosas que replanto no jardim
as desfolhadas pelas frias mãos do vento
que feneceram de ser uma flor qualquer.

Eu canto a rosa do último poeta em mim
a que folheia o livro do meu pensamento
e sangra por amor no ventre da mulher!


Afonso Estebanez

'A CARAVANA'



(resposta à Primeira Rosa do Oriente)


Eu sinto o vento a encobrir os passos
da caravana, rumo ao ocidente;
rompe, em seu curso, milenares laços...
Mata o passado... E o amor nele existente.

Desertos, vales... Todos os espaços,
são ocultados num cantar plangente...
Canto que embala a rosa, em sonhos baços...
Outros jardins... Não mais o sol nascente.

E há tanta dor nos braços da partida...
Tanta ventura feita vã, perdida...
Como olvidar sentir tamanho, assim?

Onde o refúgio do porto altaneiro,
das ternas mãos do amado jardineiro...
Senhor, responde: o que será de mim?


- Sarai Jahwel –

'PRIMEIRA ROSA DO ORIENTE'



Há milênios construo entre ternuras
uma estrada de rosas que inauguras
em cada amanhecer de minha vida...

Assim, então, jamais sequei deserto
eis do teu sonho nunca me desperto
a não te ver ausente e adormecida...

Do Oriente ao Ocidente teu perfume
foi sempre a via etérea afeita e afim:
ao teu destino de ser meu queixume
em meus destinos de ser teu jardim.

Jardim da aurora que me fez a lume
lume da rosa de teu ventre em mim:
Rosa do Oriente que o amor resume
no amor das rosas com amor assim!


Afonso Estebanez

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

'A ROSA SE DESNUDA'



(uma resposta à Segunda Rosa do Oriente)


Não há no tempo a poção de magia,
que traga à rosa o seu primeiro encanto.
Foi-se-lhe a vida... Jaz em agonia,
por não mais ter a voz do próprio canto.

A primavera... Deus, que nostalgia...
Que padecer, que dor... É tanto o pranto...
Onde as sementes? Rosa tão vazia...
Rosa desnuda de cor e acalanto!

Misericórdia, céus, ouve-me a prece,
todo o esplendor da rosa, em mim, fenece...
E o desespero é qual o mar... Crescente.

É lua plena, de paixão e sangue...
É rosa morta, de tristeza, exangue...
Buscando as sendas do Grande Oriente.


- Sarai Jahwel -

'SEGUNDA ROSA DO ORIENTE'



Não vejo o dia de chegar o tempo
em que de rosas seja toda espera
como nos dias em que fico atento
e invento rosas para a primavera.

Não há deleites a não ser o alento
de ver o tempo regressar com ela
da doce esfera do contentamento
ao venturoso amor que regenera.

O amor da rosa que virá semente
do meu jardim secreto do oriente
para os canteiros rústicos do mar.

Talvez a vida seja o mar de rosas
que a despeito das vias arenosas
não se ferem nas pedras do luar.


Afonso Estebanez

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Forma de luz



A luz quando desvenda a vida
cria formas, alastra quem informa
devora males e cria forma

Verdeja sonhos num mar perdido
tal andarilho esvoaçante
de harmonias raras

Cinge minha alma como carícia,
serena e renovada
encerrando desacertos e desconsolos
pois tudo acaba ao se desprender
nas dúvidas de algumas reticências...

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 25/10/09
Código do Texto: T1886632

SOMBRA



A tarde entrou pela janela, como um hálito.
Na transparência do ar, que tem cheiro de mato,
Uma andorinha passa perdida, voa sem pressa.


No espelho imóvel dos brejos
A água prolonga o céu e uma primeira estrela.
O crepúsculo vem vindo, desce dos morros.


Não tarda, o véu sutil feito de cinza esparsa
Todo me envolvera em sua grande sombra
E outras estrelas brilharão na água dos brejos.



Ribeiro Couto
In: Melhores Poemas
(São Paulo- 1898-1963)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ROSA ENLUARADA



A rosa vermelha,
fresca e orvalhada,
sobre o teclado frio,
inerte, pousada
diz mais que muito.

A rosa vermelha,
tenra e molhada,
sobre o teclado cria
e verte o dito quieto.

A rosa vermelha,
infante e felina,
sobre o teclado ousa
dizer mais que muito.

A rosa vermelha,
invade meus olhos.
Nada teme: inteira sua;
é lua nua em íntimo culto.


Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

LUAS BRANCAS



O medo de te perder
é o medo de me encontrar
- e trevo silente
ao sem-eira do vento
ao remoinho das brancas luas
retornar

Síndrome das crateras vagas
das horas nuas.

( Ai do estéril ventre
de toda antiga ausência
da sombra das palavras tuas.)


Fernando Campanella,
DE 'O EU CONFESSO'

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Do meu outono



O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Não há razão nem tempo



não há razão nem tempo em ser amada
enquanto as tardes desfizerem a vida
e no sono desvirtuem-se as manhãs
não há canto na melancolia
no quanto hesite a palavra luz
mas quando não houver segredo
e nem ruído que rasure a madrugada
se a verdade amordaçada
respirar
e de teus dedos escorrerem prantos
pelos anos de nunca e mais e tantos
tu te morrerás
e eu deixando enfim a nódoa
transparente
libertarei a aurora ao tom
da tempestade
e deixarei que me inunde
a paz

Lilia Silvestre Chaves
in 'E todas as orquestras acenderam a lua'
(Belém do Pará - 1951)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Contigo



nas brumas do escuro mar
ou nas areias frias de um deserto
num breve segundo, a eternidade
nas tristes sombras da saudade
impensada dor da minha treva

depois, de tão cansada caminhada
de solitária dor, alma sofrida
pelos caminhos rudes desta lida
contigo, em meus braços, minha vida,
...impensada luz da minha treva


reginahelena
(sem verbo)

domingo, 8 de novembro de 2009

Flores no caminho



Há flores no caminho
não ando sozinho
Camélia, margaridas, sempre-vivas
rosas sem espinho
semeadas com carinho

No caminho há flores
em meu coração muitos amores

Há flores no caminho
em cada estação um ninho
nos lábios, o paladar do vinho
no leito, a seda e o linho
nas memórias, o frescor do pinho

Certamente há flores no caminho...


Úrsula Avner
(Minas Gerais)
Poema do site da autora; 'A alma da poesia"

sábado, 7 de novembro de 2009

POEMA DA SOLIDÃO



Cada dia que passa, cada dia
que me leva um anseio e que me traz
uma fadiga para o coração,
sinto mais o perfume de poesia,
o êxtase lívido, a pureza e a paz
da minha solidão.

Depois das noites carpideiras,
quando um queimor de lagrimas enxutas
punha goivos na cova das olheiras,
ai! quantas vezes me internei nas grutas
para esconder as faces!
E tive sempre alguém que me guardasse
a entrada como um cão:
minha bravia solidão.

Nos sonhos claros de felicidade,
quando quis estar só para a esperança
de sorrir e viver,
nem mesmo por piedade
me disse que o sorriso também cansa,

nunca toldou de leve o meu prazer
porque sabia que era tudo em vão,
minha profunda solidão.

Nas horas doentes de mormaço,
quando o jardim já deu todas as flores
e as aranhas do tédio, passo a passo,
enchem de teia os templos interiores,
e se pergunta à vida por que é bela,
tenho o consolo da meditação
ao sentir a alma como um barco à vela
no oceano da solidão.

Quando o vulto da morte, sonolento,
pousar à flor da terra essa bandeira
que ergo às nuvens na mão,
- calma, no orgulho do desprendimento,
minha palavra derradeira
quero dizê-la à solidão.



Henriqueta Lisboa
In: Melhores Poemas
De Velário (1930-1935)
(Minas Gerais 1901-1985)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ÂNSIA VERTIGINOSA


Forças que me levais por sobre o Oceano,
Para as fluidas regiões incompreendidas,
Onde se transfigura o ser humano
Na essência misteriosa de outras vidas,


Dai-me, como sabor do ultimo engano,
Neste mundo de graças desmentidas,
A ilusão de sentir-me sobre-humano,
Por estas amplidões indefinidas . . .


Na orgia, aqui, do Sol e das distancias,
Sonho, sentindo uma revoada de ânsias,
Ser chama – asa das ultimas vertigens –


Para, no ar, difundir-me em claridade
E, como o dia – espasmo das origens –
Fecundar de meu ser a Imensidade!



Luis Carlos
In: Amplidão

O SOM DAS ÁGUAS DOCES



Fazer feito o fiel verdureiro:
equilibrar nos ombros largos
dois cestos; ambulante resoluto -
presença diária no pequeno mundo
da enorme fome dos homens simples.

Conferir, compete ao aventureiro:
cada conta pendurar no avental
de quantos aventam saltar,
de inteiro corpo, na tempestade
da afoita vida dos homens simples.

Atentar, cabe àqueles que expiam
tantas perdas; que sonham oceanos
de inéditos pecados ao pé do altar.
Do profano ao sagrado, cabe àqueles
espionar a fantasia dos homens simples.

Avançar, confere venturas a quantos,
atrevidos, gravam nos seixos dos rios
o inominável, o índigo, o quieto Quasar,
e o som dos espíritos das águas doces -
que banha a vida dos homens simples.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Reflexões



Um barco passa ao longe
Na linha do horizonte.

Passa o tempo,
uma alegria, alguns sorrisos
Muitos sonhos, algumas dores
Muitos amores, poucas verdades

Um adeus,
algumas lágrimas, recordações
como no horizonte ao pôr-do-sol
Vão se esfumando as lembranças

Que importa se desce a sombra
Se tudo já é passado.
Navega comigo,
Até que a noite desapareça.

Ana Carlini

sábado, 28 de novembro de 2009

AS COLEÇÕES



Em primeiro lugar as magnólias.
Com seus cálices
e corolas: aquarelas
de todas as tonalidades e suma
delicadeza do toque.
Pequena aurora diluída
com doçura, nos tanques.


Depois a musica: frêmito
e susto de passaro.
As valsas – que sorrateiras. E as flautas.
As noites com flauta sob a janela
inaugurando a lua nascida
para o suspirado amor.


Mais tarde os campos, as grutas,
a maravilha. E o caos.
Com seus favos e suas hidras,
o mundo. O mar com seus apelos,
horizontes para o éter,
desespero em mergulho.


Com o tempo, o ocaso. As lentas
plumas, os reposteiros
com seus moucos ouvidos,
a tíbia madeira para
o resguardo das cinzas,
as entabulações – e com que recuos –
da paz.


Finalmente os endurecidos espelhos,
os cristais sob o quebra-luz,
dos ângulos o verniz,
o ouro com parcimônia, a prata,
o marfim com seus esqueletos.


Henriqueta Lisboa
In:'A Flor da Morte' (1945-1949)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"SALMO DO SILÊNCIO"



Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.


Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.


Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível.


Yttérbio Homem de Siqueira
de "Abismo Intacto"
(1932-1981-RG do Norte)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ÁRIA PARA VIOLINO


Para nadar no silêncio
ergo as mãos extraviadas;

são estrelas acordadas,
ou meu eco em seu silêncio.

Escorre pelo que sinto
meu perfil escrito e ouvido

e em som e cor divido
entre mim e o que não sinto.

Colombo de Souza
in:Estágio
(Curitiba-1920)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O EXÍLIO



(da terceira Rosa do Oriente)

Insensato destino, ao roubar-me a ventura,
de ser rosa nos campos do meu florescer.
De furtar-me os mistérios da extrema doçura,
que um profano cultivo não sabe antever.

Exilada a um terreno deserto, de agrura...
O esplendor do meu ser faz, em mim, fenecer!
No mosaico de um chão, sem calor, sem ternura,
me retorno aprendiz... Não mais quero viver!

Jogo ao vento os retalhos banhados de orvalho,
guardo o verde florir e em negror me agasalho...
Dantes, se rosa fui... Hoje sou flor qualquer.

Pois quem foi meu poeta, ficou tão distante...
Pereceu na perfídia do agora inconstante...
E da rosa não resta o perfume, sequer!


- Sarai Jahwel -

'TERCEIRA ROSA DO ORIENTE'



Ô, insensatez humana convencer as rosas
de que das rosas todo o tema se esgotou!
Quantos mistérios há nas faces luminosas
das rosas da manhã que ainda não raiou...

As rosas são dotadas de almas poderosas
que o escultor das primaveras reinventou
num paradoxo de impressões prodigiosas
tal retocar a flor que Deus não terminou.

Eu canto as rosas que replanto no jardim
as desfolhadas pelas frias mãos do vento
que feneceram de ser uma flor qualquer.

Eu canto a rosa do último poeta em mim
a que folheia o livro do meu pensamento
e sangra por amor no ventre da mulher!


Afonso Estebanez

'A CARAVANA'



(resposta à Primeira Rosa do Oriente)


Eu sinto o vento a encobrir os passos
da caravana, rumo ao ocidente;
rompe, em seu curso, milenares laços...
Mata o passado... E o amor nele existente.

Desertos, vales... Todos os espaços,
são ocultados num cantar plangente...
Canto que embala a rosa, em sonhos baços...
Outros jardins... Não mais o sol nascente.

E há tanta dor nos braços da partida...
Tanta ventura feita vã, perdida...
Como olvidar sentir tamanho, assim?

Onde o refúgio do porto altaneiro,
das ternas mãos do amado jardineiro...
Senhor, responde: o que será de mim?


- Sarai Jahwel –

'PRIMEIRA ROSA DO ORIENTE'



Há milênios construo entre ternuras
uma estrada de rosas que inauguras
em cada amanhecer de minha vida...

Assim, então, jamais sequei deserto
eis do teu sonho nunca me desperto
a não te ver ausente e adormecida...

Do Oriente ao Ocidente teu perfume
foi sempre a via etérea afeita e afim:
ao teu destino de ser meu queixume
em meus destinos de ser teu jardim.

Jardim da aurora que me fez a lume
lume da rosa de teu ventre em mim:
Rosa do Oriente que o amor resume
no amor das rosas com amor assim!


Afonso Estebanez

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

'A ROSA SE DESNUDA'



(uma resposta à Segunda Rosa do Oriente)


Não há no tempo a poção de magia,
que traga à rosa o seu primeiro encanto.
Foi-se-lhe a vida... Jaz em agonia,
por não mais ter a voz do próprio canto.

A primavera... Deus, que nostalgia...
Que padecer, que dor... É tanto o pranto...
Onde as sementes? Rosa tão vazia...
Rosa desnuda de cor e acalanto!

Misericórdia, céus, ouve-me a prece,
todo o esplendor da rosa, em mim, fenece...
E o desespero é qual o mar... Crescente.

É lua plena, de paixão e sangue...
É rosa morta, de tristeza, exangue...
Buscando as sendas do Grande Oriente.


- Sarai Jahwel -

'SEGUNDA ROSA DO ORIENTE'



Não vejo o dia de chegar o tempo
em que de rosas seja toda espera
como nos dias em que fico atento
e invento rosas para a primavera.

Não há deleites a não ser o alento
de ver o tempo regressar com ela
da doce esfera do contentamento
ao venturoso amor que regenera.

O amor da rosa que virá semente
do meu jardim secreto do oriente
para os canteiros rústicos do mar.

Talvez a vida seja o mar de rosas
que a despeito das vias arenosas
não se ferem nas pedras do luar.


Afonso Estebanez

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Forma de luz



A luz quando desvenda a vida
cria formas, alastra quem informa
devora males e cria forma

Verdeja sonhos num mar perdido
tal andarilho esvoaçante
de harmonias raras

Cinge minha alma como carícia,
serena e renovada
encerrando desacertos e desconsolos
pois tudo acaba ao se desprender
nas dúvidas de algumas reticências...

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 25/10/09
Código do Texto: T1886632

SOMBRA



A tarde entrou pela janela, como um hálito.
Na transparência do ar, que tem cheiro de mato,
Uma andorinha passa perdida, voa sem pressa.


No espelho imóvel dos brejos
A água prolonga o céu e uma primeira estrela.
O crepúsculo vem vindo, desce dos morros.


Não tarda, o véu sutil feito de cinza esparsa
Todo me envolvera em sua grande sombra
E outras estrelas brilharão na água dos brejos.



Ribeiro Couto
In: Melhores Poemas
(São Paulo- 1898-1963)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ROSA ENLUARADA



A rosa vermelha,
fresca e orvalhada,
sobre o teclado frio,
inerte, pousada
diz mais que muito.

A rosa vermelha,
tenra e molhada,
sobre o teclado cria
e verte o dito quieto.

A rosa vermelha,
infante e felina,
sobre o teclado ousa
dizer mais que muito.

A rosa vermelha,
invade meus olhos.
Nada teme: inteira sua;
é lua nua em íntimo culto.


Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

LUAS BRANCAS



O medo de te perder
é o medo de me encontrar
- e trevo silente
ao sem-eira do vento
ao remoinho das brancas luas
retornar

Síndrome das crateras vagas
das horas nuas.

( Ai do estéril ventre
de toda antiga ausência
da sombra das palavras tuas.)


Fernando Campanella,
DE 'O EU CONFESSO'

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Do meu outono



O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...


O outono vai chegar... O outono vem tão cedo!
Irão morrer flores e estrelas, como as crianças
Tristes e mudas, que impressionam, fazem medo?


O outono vai chegar... Têm vozes do passado
As horas loiras, a cantarem vagarosas,
Com ressonâncias de convento abandonado...


Vozes de sonho, vozes lentas, do passado,
Falando coisas nebulosas, nebulosas...


O outono vai chegar, como um poeta descrente
Que funerais desilusórios acompanha...


O outono vai chegar... Neva a névoa do outono...
Perdem-se astros sem luz... Anda em choro a folhagem...
Há desesperos silenciosos de abandono...


O outono vai chegar... Neva a nevoa do outono...
E eu sofro a angustia irremediável da paisagem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Não há razão nem tempo



não há razão nem tempo em ser amada
enquanto as tardes desfizerem a vida
e no sono desvirtuem-se as manhãs
não há canto na melancolia
no quanto hesite a palavra luz
mas quando não houver segredo
e nem ruído que rasure a madrugada
se a verdade amordaçada
respirar
e de teus dedos escorrerem prantos
pelos anos de nunca e mais e tantos
tu te morrerás
e eu deixando enfim a nódoa
transparente
libertarei a aurora ao tom
da tempestade
e deixarei que me inunde
a paz

Lilia Silvestre Chaves
in 'E todas as orquestras acenderam a lua'
(Belém do Pará - 1951)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Contigo



nas brumas do escuro mar
ou nas areias frias de um deserto
num breve segundo, a eternidade
nas tristes sombras da saudade
impensada dor da minha treva

depois, de tão cansada caminhada
de solitária dor, alma sofrida
pelos caminhos rudes desta lida
contigo, em meus braços, minha vida,
...impensada luz da minha treva


reginahelena
(sem verbo)

domingo, 8 de novembro de 2009

Flores no caminho



Há flores no caminho
não ando sozinho
Camélia, margaridas, sempre-vivas
rosas sem espinho
semeadas com carinho

No caminho há flores
em meu coração muitos amores

Há flores no caminho
em cada estação um ninho
nos lábios, o paladar do vinho
no leito, a seda e o linho
nas memórias, o frescor do pinho

Certamente há flores no caminho...


Úrsula Avner
(Minas Gerais)
Poema do site da autora; 'A alma da poesia"

sábado, 7 de novembro de 2009

POEMA DA SOLIDÃO



Cada dia que passa, cada dia
que me leva um anseio e que me traz
uma fadiga para o coração,
sinto mais o perfume de poesia,
o êxtase lívido, a pureza e a paz
da minha solidão.

Depois das noites carpideiras,
quando um queimor de lagrimas enxutas
punha goivos na cova das olheiras,
ai! quantas vezes me internei nas grutas
para esconder as faces!
E tive sempre alguém que me guardasse
a entrada como um cão:
minha bravia solidão.

Nos sonhos claros de felicidade,
quando quis estar só para a esperança
de sorrir e viver,
nem mesmo por piedade
me disse que o sorriso também cansa,

nunca toldou de leve o meu prazer
porque sabia que era tudo em vão,
minha profunda solidão.

Nas horas doentes de mormaço,
quando o jardim já deu todas as flores
e as aranhas do tédio, passo a passo,
enchem de teia os templos interiores,
e se pergunta à vida por que é bela,
tenho o consolo da meditação
ao sentir a alma como um barco à vela
no oceano da solidão.

Quando o vulto da morte, sonolento,
pousar à flor da terra essa bandeira
que ergo às nuvens na mão,
- calma, no orgulho do desprendimento,
minha palavra derradeira
quero dizê-la à solidão.



Henriqueta Lisboa
In: Melhores Poemas
De Velário (1930-1935)
(Minas Gerais 1901-1985)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ÂNSIA VERTIGINOSA


Forças que me levais por sobre o Oceano,
Para as fluidas regiões incompreendidas,
Onde se transfigura o ser humano
Na essência misteriosa de outras vidas,


Dai-me, como sabor do ultimo engano,
Neste mundo de graças desmentidas,
A ilusão de sentir-me sobre-humano,
Por estas amplidões indefinidas . . .


Na orgia, aqui, do Sol e das distancias,
Sonho, sentindo uma revoada de ânsias,
Ser chama – asa das ultimas vertigens –


Para, no ar, difundir-me em claridade
E, como o dia – espasmo das origens –
Fecundar de meu ser a Imensidade!



Luis Carlos
In: Amplidão

O SOM DAS ÁGUAS DOCES



Fazer feito o fiel verdureiro:
equilibrar nos ombros largos
dois cestos; ambulante resoluto -
presença diária no pequeno mundo
da enorme fome dos homens simples.

Conferir, compete ao aventureiro:
cada conta pendurar no avental
de quantos aventam saltar,
de inteiro corpo, na tempestade
da afoita vida dos homens simples.

Atentar, cabe àqueles que expiam
tantas perdas; que sonham oceanos
de inéditos pecados ao pé do altar.
Do profano ao sagrado, cabe àqueles
espionar a fantasia dos homens simples.

Avançar, confere venturas a quantos,
atrevidos, gravam nos seixos dos rios
o inominável, o índigo, o quieto Quasar,
e o som dos espíritos das águas doces -
que banha a vida dos homens simples.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”