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domingo, 28 de novembro de 2010

SIM, EU TENTO*


Sim, eu quis escrever
um poema alegre.

...Sim, eu quis antever
um poema alegre.

Sim, eu quis até viver
um poema alegre.

Mas, a vida me impôs
uma tristeza imensa.

A vida me expôs
uma franqueza intensa.

Então, não havia escolha:
como a tristeza no bolso,
esmago a ausência insana.

Mas eu quis, sim, escrever
um poema alegre.

Apenas um, porque é preciso:
enquanto ainda sobrevivo.

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DESCONHECIDO


Sou o pensamento
O vento soprando forte
O barco da sorte
O sorriso da alegria
A força da magia
A dor do fraco
O segredo do forte
O medo da vida.


Guimarães Rosa


João Guimarães Rosa
Nasceu em Cordisburgo, 27 de junho de 1908 —
faleceu no Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967,
foi um médico, escritor e diplomata brasileiro.
Autor de contos e livros marcados pela presença do sertão como palco das ações. Sua obra ficou marcada pela linguagem inovadora, utilizando elementos de linguagem popular e regional, com fortes traços de narrativa falada. Tudo isso, unindo à sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. É considerado por muitos críticos um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, ao lado de Machado de Assis.

Solidão


Velha flauta geme e chora,
Ora temas melodiosos,
Ora acordes vigorosos,
Saudando a vinda da aurora.

Todos dormem muito embora
Aqueles sons tão chorosos
Vão morrendo, vagarosos,
Até ficarem de fora.

No horizonte, o sol se ensaia
Tornando belo o cenário,
Nesta manhã junto ao mar.

Como é linda a branca praia,
Por onde assim solitário
Estou desde o madrugar.

Santos, Outubro de 1949.

Ives Gandra

'VI' - Lindolf Bell _


Atravesso compêndios,
currículos, apostilas
de silêncio
e minha sombra pisada
por outra sombra
também feita de tudo
e nada
Atravesso simulacros
e arranco o lacre da palavra

Pois menor que meu sonho
não posso ser

atravesso o avesso
E meu barco de travessias
é a palavra terra
cercada de água por todos os lados

Pois menor que meu sonho
não posso ser

Estou do lado de lá da ilha
Aqui disponho de mim
e conheço meu próprio acesso
Aqui conheço a face inversa da luz
onde me extravio
e não cessarei jamais

Pois menor que meu sonho
não posso ser.


Lindolf Bell
In ‘Código das Águas’

Lindolf Bell nasceu na cidade de Timbó, Santa Catarina, no dia 02 de novembro de 1938, e veio a falecer aos 10 de dezembro de 1998, em Blumenau, Santa Catarina. Ainda criança sua mãe o alfabelizou em alemão. Nos anos seguintes estudou em sua terra natal e em 1953, iniciou o Curso Técnico em Contabilidade de Blumenau, que concluíu em 1955. De volta a Timbó, ao Exército. Fez o curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ mas não chegou a concluir. No ano seguinte, retorna a Timbó. Em 1962, iniciou seus estudos no Curso de Dramaturgia na Escola de Arte Dramática de São Paulo, no qual se formou em 1964.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

COM PASSOS DE SONHOS*


(Primeiro Rascunho)

I

...Sobrevoando a floresta,
que acolhe e alimenta seus sonhos,
vislumbro curso e recursos do rio que,
de janeiro às águas de março,
acalentam os animais que povoam,
da minha menina esperta,
toda a fronte e fortes ombros.

II

Sobrepesando a festa,
descubro cobras e ursos,
paturis e gansos, garças e peixes
que habitam o lago à espreita
dos humores de águias e tigres:
que invadem o aquário secreto
da minha mulher, amante, sol, lua,
prima e vera cigana menina.

III

Tanto quanto tão pouco sei,
ela caminha sobre nuvens travessas.
Sobrenado e circundo sua íris, sua boca;
afago seus olhos e seios salgados.

IV

Insone e alerta, eu sei daquilo que poupa
e alimenta seus sonhos!
Então, devoro suas dálias,
dunas, fauna, cartas e cores avessas...

(Portanto, quando ela adormece,
eu Sou - e algo mais Sei!)

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

sábado, 6 de novembro de 2010

Levam o amanhecer


Partem.
E levam consigo a memória
de nosso amanhecer.


A quem dirigir
a pergunta mágica:
Lembra-se?


Quem,
entre os jovens,
acreditará
que fomos jovens também?



Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível

A miragem no caminho


Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.


(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).



Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"XI"


Novembro lava a alma
e as flores do Guapuruvú
respingam na tarde.
Logo, a lua dá o ar da graça
e entre os galhos da árvore
amorosamente se enrosca.
O universo embala então a terra
e os pássaros
sonham abóbodas iluminadas.


F.Campanella
da série 'Efemérides'

Photo 'Guapuruvú' (Schizolobium parahyba)
by Fernando Campanela.

domingo, 28 de novembro de 2010

SIM, EU TENTO*


Sim, eu quis escrever
um poema alegre.

...Sim, eu quis antever
um poema alegre.

Sim, eu quis até viver
um poema alegre.

Mas, a vida me impôs
uma tristeza imensa.

A vida me expôs
uma franqueza intensa.

Então, não havia escolha:
como a tristeza no bolso,
esmago a ausência insana.

Mas eu quis, sim, escrever
um poema alegre.

Apenas um, porque é preciso:
enquanto ainda sobrevivo.

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DESCONHECIDO


Sou o pensamento
O vento soprando forte
O barco da sorte
O sorriso da alegria
A força da magia
A dor do fraco
O segredo do forte
O medo da vida.


Guimarães Rosa


João Guimarães Rosa
Nasceu em Cordisburgo, 27 de junho de 1908 —
faleceu no Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967,
foi um médico, escritor e diplomata brasileiro.
Autor de contos e livros marcados pela presença do sertão como palco das ações. Sua obra ficou marcada pela linguagem inovadora, utilizando elementos de linguagem popular e regional, com fortes traços de narrativa falada. Tudo isso, unindo à sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. É considerado por muitos críticos um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, ao lado de Machado de Assis.

Solidão


Velha flauta geme e chora,
Ora temas melodiosos,
Ora acordes vigorosos,
Saudando a vinda da aurora.

Todos dormem muito embora
Aqueles sons tão chorosos
Vão morrendo, vagarosos,
Até ficarem de fora.

No horizonte, o sol se ensaia
Tornando belo o cenário,
Nesta manhã junto ao mar.

Como é linda a branca praia,
Por onde assim solitário
Estou desde o madrugar.

Santos, Outubro de 1949.

Ives Gandra

'VI' - Lindolf Bell _


Atravesso compêndios,
currículos, apostilas
de silêncio
e minha sombra pisada
por outra sombra
também feita de tudo
e nada
Atravesso simulacros
e arranco o lacre da palavra

Pois menor que meu sonho
não posso ser

atravesso o avesso
E meu barco de travessias
é a palavra terra
cercada de água por todos os lados

Pois menor que meu sonho
não posso ser

Estou do lado de lá da ilha
Aqui disponho de mim
e conheço meu próprio acesso
Aqui conheço a face inversa da luz
onde me extravio
e não cessarei jamais

Pois menor que meu sonho
não posso ser.


Lindolf Bell
In ‘Código das Águas’

Lindolf Bell nasceu na cidade de Timbó, Santa Catarina, no dia 02 de novembro de 1938, e veio a falecer aos 10 de dezembro de 1998, em Blumenau, Santa Catarina. Ainda criança sua mãe o alfabelizou em alemão. Nos anos seguintes estudou em sua terra natal e em 1953, iniciou o Curso Técnico em Contabilidade de Blumenau, que concluíu em 1955. De volta a Timbó, ao Exército. Fez o curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ mas não chegou a concluir. No ano seguinte, retorna a Timbó. Em 1962, iniciou seus estudos no Curso de Dramaturgia na Escola de Arte Dramática de São Paulo, no qual se formou em 1964.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

COM PASSOS DE SONHOS*


(Primeiro Rascunho)

I

...Sobrevoando a floresta,
que acolhe e alimenta seus sonhos,
vislumbro curso e recursos do rio que,
de janeiro às águas de março,
acalentam os animais que povoam,
da minha menina esperta,
toda a fronte e fortes ombros.

II

Sobrepesando a festa,
descubro cobras e ursos,
paturis e gansos, garças e peixes
que habitam o lago à espreita
dos humores de águias e tigres:
que invadem o aquário secreto
da minha mulher, amante, sol, lua,
prima e vera cigana menina.

III

Tanto quanto tão pouco sei,
ela caminha sobre nuvens travessas.
Sobrenado e circundo sua íris, sua boca;
afago seus olhos e seios salgados.

IV

Insone e alerta, eu sei daquilo que poupa
e alimenta seus sonhos!
Então, devoro suas dálias,
dunas, fauna, cartas e cores avessas...

(Portanto, quando ela adormece,
eu Sou - e algo mais Sei!)

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

sábado, 6 de novembro de 2010

Levam o amanhecer


Partem.
E levam consigo a memória
de nosso amanhecer.


A quem dirigir
a pergunta mágica:
Lembra-se?


Quem,
entre os jovens,
acreditará
que fomos jovens também?



Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível

A miragem no caminho


Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.


(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).



Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"XI"


Novembro lava a alma
e as flores do Guapuruvú
respingam na tarde.
Logo, a lua dá o ar da graça
e entre os galhos da árvore
amorosamente se enrosca.
O universo embala então a terra
e os pássaros
sonham abóbodas iluminadas.


F.Campanella
da série 'Efemérides'

Photo 'Guapuruvú' (Schizolobium parahyba)
by Fernando Campanela.