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quinta-feira, 7 de novembro de 2013
AS CANÇÕES DAS CRIANÇAS TRAÍDAS
AS CANÇÕES DAS CRIANÇAS TRAÍDAS
Nós não queremos pretender sentir o que não sentimos.
Nós vamos ao polígono das contaminações com nossas
bocas-de-fogo.
Nós vamos ao ventre da cidade onde sangra o cordão
umbilical
para estender um horror entre os dedos:
a rosa não.
Vamos ao parque
onde nossas mães viram homens
e nós, crepúsculos.
Vamos ao parque
onde velhos patos desfazem o céu no lago.
Depois iremos aos plátanos
com suas flores desenhadas a canivete
e iremos a uma festa qualquer
em qualquer andar
de um edifício qualquer,
para acharmos um amigo
e mais trinta frustrados.
Depois vamos a uma festa em qualquer lugar
de um qualquer lugar,
para tomarmos as hóstias do sonho
e as córneas de nossa infância
que apenas dormem debaixo de um muro.
Vamos a um jogo para esquecer nosso desespero.
Vamos torcer
para que os amigos multipliquem
e os não-amigos deixem a torre e o meio da rua
e aprendam o caminho das margens.
Vamos depois, tão longe ou tão perto
que possamos despojar-nos de todas as máscaras
e aprendamos que não há último nem primeiro,
nem nada, nem o próprio nada.
Vamos despojar-nos, sim,
e colar nossos lábios ao sexo,
ao seio, ao plátano,ao amigo.
Vamos inventar-nos, sim,
como nunca havíamos sido inventados,
em nenhuma raça, em nenhum orgasmo, em nenhum amor.
Mais tarde acharemos os rostos caídos de olheiras,
nossas mãos, nossas calmarias,
e mais tarde do mais tarde ainda
furtaremos na grande loja
um barco para nossas dores.
Vamos dizer adeus a todas as coisas
porque existe um ar de mercado na cidade.
Vamos dizer adeus
porque nosso universo é um logomaquia.
Assim sempre.
Sempre a busca de sempre, através da noite,
como galgos.
Sempre este sempre que inaugura sempre,
este estar postergado,
este morrer para as alvoradas,
este olho sem pálpebras de onde nos
trituram,
sempre esta nostalgia de um viver
que não passa de um sobreviver,
quantos apartes,
quantos silêncios,
pressentimos, pressentimos,
os frutos do inverno também são doces,
ninguém mais cabe em si,
é preciso fundir-se a outro corpo,
é preciso inventar outra razão,
e saber do corpo de meninos e meninas amantes
e dos grãos contraídos pelos ventres
do grande ventre da noite.
Depois iremos a uma festa
- a maneira mais fácil
de estar sozinho.
Depois estaremos sozinhos
- a maneira mais intensa
de sermos cruéis.
Não. nós não queremos pretender sentir o que não
sentimos.
Lindolff Bell
In ‘Icorporação’
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quinta-feira, 7 de novembro de 2013
AS CANÇÕES DAS CRIANÇAS TRAÍDAS
AS CANÇÕES DAS CRIANÇAS TRAÍDAS
Nós não queremos pretender sentir o que não sentimos.
Nós vamos ao polígono das contaminações com nossas
bocas-de-fogo.
Nós vamos ao ventre da cidade onde sangra o cordão
umbilical
para estender um horror entre os dedos:
a rosa não.
Vamos ao parque
onde nossas mães viram homens
e nós, crepúsculos.
Vamos ao parque
onde velhos patos desfazem o céu no lago.
Depois iremos aos plátanos
com suas flores desenhadas a canivete
e iremos a uma festa qualquer
em qualquer andar
de um edifício qualquer,
para acharmos um amigo
e mais trinta frustrados.
Depois vamos a uma festa em qualquer lugar
de um qualquer lugar,
para tomarmos as hóstias do sonho
e as córneas de nossa infância
que apenas dormem debaixo de um muro.
Vamos a um jogo para esquecer nosso desespero.
Vamos torcer
para que os amigos multipliquem
e os não-amigos deixem a torre e o meio da rua
e aprendam o caminho das margens.
Vamos depois, tão longe ou tão perto
que possamos despojar-nos de todas as máscaras
e aprendamos que não há último nem primeiro,
nem nada, nem o próprio nada.
Vamos despojar-nos, sim,
e colar nossos lábios ao sexo,
ao seio, ao plátano,ao amigo.
Vamos inventar-nos, sim,
como nunca havíamos sido inventados,
em nenhuma raça, em nenhum orgasmo, em nenhum amor.
Mais tarde acharemos os rostos caídos de olheiras,
nossas mãos, nossas calmarias,
e mais tarde do mais tarde ainda
furtaremos na grande loja
um barco para nossas dores.
Vamos dizer adeus a todas as coisas
porque existe um ar de mercado na cidade.
Vamos dizer adeus
porque nosso universo é um logomaquia.
Assim sempre.
Sempre a busca de sempre, através da noite,
como galgos.
Sempre este sempre que inaugura sempre,
este estar postergado,
este morrer para as alvoradas,
este olho sem pálpebras de onde nos
trituram,
sempre esta nostalgia de um viver
que não passa de um sobreviver,
quantos apartes,
quantos silêncios,
pressentimos, pressentimos,
os frutos do inverno também são doces,
ninguém mais cabe em si,
é preciso fundir-se a outro corpo,
é preciso inventar outra razão,
e saber do corpo de meninos e meninas amantes
e dos grãos contraídos pelos ventres
do grande ventre da noite.
Depois iremos a uma festa
- a maneira mais fácil
de estar sozinho.
Depois estaremos sozinhos
- a maneira mais intensa
de sermos cruéis.
Não. nós não queremos pretender sentir o que não
sentimos.
Lindolff Bell
In ‘Icorporação’
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