Seja bem-vindo. Hoje é

quinta-feira, 30 de junho de 2011

MAIS TARDE, AINDA É MADRUGADA

os pássaros mais espertos
voltaram aos ninhos
quando viram a geada

(Fernando Campanella)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Manhã de Inverno

Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.

Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.

Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Tudo ali preparou co’os sábios olhos
A suprema ciência do empresário.

Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, — a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.

Machado de Assis,
in 'Falenas'

SOLITUDE

Silente, à tardinha,
desliza ao sabor da brisa
gaivota sozinha.

Delores Pires
"O Livro dos Haicais"

quarta-feira, 15 de junho de 2011

História Leal dos meus amores

(Felipe Daudt de Oliveira)

Eu tive a iniciação para a alegria
num tempo primitivo de paisagem,
em que, num fundo aberto de baía,
da argila das montanhas, emergia
a forma azul de um ídolo selvagem.

Entrei na imensidade dessas águas,
de alma feliz, cantando em tons de trova...
E ao batismo de um sol chispando fráguas
eu jurei esquecer antigas mágoas
numa esperança ideal de vida nova...

Felipe de Oliveira
in Vida Extinta (1911) (Duas primeiras estrofes)
Do Blog da sobrinha do autor.

Elegia de Maio


Longo, lento, infindável o crepúsculo.
Na larga enseada uma tinta imprecisa
antes do lusco-fusco
insinua-se em tudo, esmaiada.
Corre um brusco arrepio de brisa,
encrespa-se de leve a água vidrada.

Difuso em tudo, o ouro da luz de outono
resiste, como a clara
recordação de um longo dia para
e ainda hesita, antes da noite e o sono.

Escurecer que é quase amanhecer...
Um não sei que de claridade escura
diluído em tudo, em tudo arde e perdura:
já é quase noite o longo dia
a noite espera e sonha: ainda é dia.
Lá no alto, o adeus da tarde que ficou...
É dia ainda, o sol acorda agora
no largo oceano o sono de outra aurora,
mas derrama no seio do meu rio
todo o ouro do dia que passou.
Serena esta luz de ouro em meu outono:
recordação, antes do grande sono...

Augusto Meyer
Poesias, 1957

Augusto Meyer (Porto Alegre, 24 de janeiro de 1902 — Rio de Janeiro, 10 de julho de 1970) foi um jornalista, ensaísta, poeta, memorialista e folclorista brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia.

Era filho dos imigrantes alemães Augusto Ricardo Meyer e Rosa Meyer.

Colaborou em diversos jornais do Rio Grande do Sul, especialmente no Diário de Notícias e Correio do Povo, escrevendo poemas e ensaios críticos. Estreou na literatura em 1920, com o livro de poesias A ilusão querida, mas foi com os livros Coração verde, Giraluz e Poemas de Bilu que conquistou renome nacional. Foi diretor da Biblioteca Pública do Estado, em Porto Alegre.

Convidado por Getúlio Vargas para organizar o Instituto Nacional do Livro, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1937, junto a um grupo de intelectuais gaúchos. Foi diretor do INL durante cerca de trinta anos. Em 1947 recebeu o Prêmio Filipe de Oliveira na categoria Memórias e, em 1950, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra literária.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

NESTA SELVA

Nesta selva selvagem,
o homem persegue nuvens que o perseguem.

Neste reino
de insânia, o homem soluça.

O homem soluça: “Deus!” – e o eco tão longe
vai que talvez nem Deus possa escutá-lo.

Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Só a noite é que amanhece

terça-feira, 7 de junho de 2011

A MEDIDA DO AZUL


A medida do azul é o estender-se
do olhar por sobre os seres. Esse arguto
perceber que se tem de não mover-se
o objeto - já por ser absoluto.

A medida do azul é ver um luto
contido em toda flor e o abster-se,
cada qual de assumir seu tom enxuto
e noutro que o não seu absorver-se.

A medida do azul, pelo contrário,
não é ver no horizonte o fim do olhar,
mas o ter desta vida aonde chegar,

pois ali tem o mundo o seu ovário:
e o retorno acontece, sempre estável,
eis que o azul é o início do infindável

Ernesto Penafort

Ernesto Penafort nasceu em Manaus, Amazonas, em 27 de
março de 1936 e faleceu na mesma cidade em 3 de junho de
1992. Na década de 60,estudou Ciências Sociais na
Universidade do Brasil, abandonando o curso devido ao
clima político vivido pelo País.

Formou-se em Direito pela Universidade Federal do
Amazonas. Era jornalista, poeta, contista. Morou 11 anos
no Rio de Janeiro e só não se formou em Ciências Sociais
pela Universidade do Brasil porque se desentendeu com um
professor faltando um ano para concluir o curso. Foi
redator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e da Folha de
São Paulo. Voltando para Manaus, trabalhou na Fundação
Cultural do Amazonas. Foi membro do Clube da Madrugada e
um de seus presidentes.

Um dos poetas mais importantes de sua geração. Sua
poesia se situa no contexto dos anos 70 do século passado,
época de opressão e cerceamento das liberdades.
Os textos de Penafort refletem inconformismo diante da
realidade, preocupação humana e anseio de liberdade. O
azul é metáfora de seu fazer poético.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Horas do meu tempo


Eternizei o vento com palavras
abrindo janelas da alma
à procura de um sinal.

Atravessei desertos do mundo
descrevendo as horas dos meus dias
tentando encontrar teu sorriso

Na música que me acompanhou
talvez amanhã te encontre
com jeito provocador
desafiando caminhos

Quando já não eras esperado
ao saber totalmente de mim
poderás partir
pois já levas contigo
a eternidade do amor.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 03/04/11
Código do Texto: T2886664

quinta-feira, 30 de junho de 2011

MAIS TARDE, AINDA É MADRUGADA

os pássaros mais espertos
voltaram aos ninhos
quando viram a geada

(Fernando Campanella)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Manhã de Inverno

Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.

Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.

Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Tudo ali preparou co’os sábios olhos
A suprema ciência do empresário.

Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, — a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.

Machado de Assis,
in 'Falenas'

SOLITUDE

Silente, à tardinha,
desliza ao sabor da brisa
gaivota sozinha.

Delores Pires
"O Livro dos Haicais"

quarta-feira, 15 de junho de 2011

História Leal dos meus amores

(Felipe Daudt de Oliveira)

Eu tive a iniciação para a alegria
num tempo primitivo de paisagem,
em que, num fundo aberto de baía,
da argila das montanhas, emergia
a forma azul de um ídolo selvagem.

Entrei na imensidade dessas águas,
de alma feliz, cantando em tons de trova...
E ao batismo de um sol chispando fráguas
eu jurei esquecer antigas mágoas
numa esperança ideal de vida nova...

Felipe de Oliveira
in Vida Extinta (1911) (Duas primeiras estrofes)
Do Blog da sobrinha do autor.

Elegia de Maio


Longo, lento, infindável o crepúsculo.
Na larga enseada uma tinta imprecisa
antes do lusco-fusco
insinua-se em tudo, esmaiada.
Corre um brusco arrepio de brisa,
encrespa-se de leve a água vidrada.

Difuso em tudo, o ouro da luz de outono
resiste, como a clara
recordação de um longo dia para
e ainda hesita, antes da noite e o sono.

Escurecer que é quase amanhecer...
Um não sei que de claridade escura
diluído em tudo, em tudo arde e perdura:
já é quase noite o longo dia
a noite espera e sonha: ainda é dia.
Lá no alto, o adeus da tarde que ficou...
É dia ainda, o sol acorda agora
no largo oceano o sono de outra aurora,
mas derrama no seio do meu rio
todo o ouro do dia que passou.
Serena esta luz de ouro em meu outono:
recordação, antes do grande sono...

Augusto Meyer
Poesias, 1957

Augusto Meyer (Porto Alegre, 24 de janeiro de 1902 — Rio de Janeiro, 10 de julho de 1970) foi um jornalista, ensaísta, poeta, memorialista e folclorista brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia.

Era filho dos imigrantes alemães Augusto Ricardo Meyer e Rosa Meyer.

Colaborou em diversos jornais do Rio Grande do Sul, especialmente no Diário de Notícias e Correio do Povo, escrevendo poemas e ensaios críticos. Estreou na literatura em 1920, com o livro de poesias A ilusão querida, mas foi com os livros Coração verde, Giraluz e Poemas de Bilu que conquistou renome nacional. Foi diretor da Biblioteca Pública do Estado, em Porto Alegre.

Convidado por Getúlio Vargas para organizar o Instituto Nacional do Livro, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1937, junto a um grupo de intelectuais gaúchos. Foi diretor do INL durante cerca de trinta anos. Em 1947 recebeu o Prêmio Filipe de Oliveira na categoria Memórias e, em 1950, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra literária.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

NESTA SELVA

Nesta selva selvagem,
o homem persegue nuvens que o perseguem.

Neste reino
de insânia, o homem soluça.

O homem soluça: “Deus!” – e o eco tão longe
vai que talvez nem Deus possa escutá-lo.

Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Só a noite é que amanhece

terça-feira, 7 de junho de 2011

A MEDIDA DO AZUL


A medida do azul é o estender-se
do olhar por sobre os seres. Esse arguto
perceber que se tem de não mover-se
o objeto - já por ser absoluto.

A medida do azul é ver um luto
contido em toda flor e o abster-se,
cada qual de assumir seu tom enxuto
e noutro que o não seu absorver-se.

A medida do azul, pelo contrário,
não é ver no horizonte o fim do olhar,
mas o ter desta vida aonde chegar,

pois ali tem o mundo o seu ovário:
e o retorno acontece, sempre estável,
eis que o azul é o início do infindável

Ernesto Penafort

Ernesto Penafort nasceu em Manaus, Amazonas, em 27 de
março de 1936 e faleceu na mesma cidade em 3 de junho de
1992. Na década de 60,estudou Ciências Sociais na
Universidade do Brasil, abandonando o curso devido ao
clima político vivido pelo País.

Formou-se em Direito pela Universidade Federal do
Amazonas. Era jornalista, poeta, contista. Morou 11 anos
no Rio de Janeiro e só não se formou em Ciências Sociais
pela Universidade do Brasil porque se desentendeu com um
professor faltando um ano para concluir o curso. Foi
redator da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e da Folha de
São Paulo. Voltando para Manaus, trabalhou na Fundação
Cultural do Amazonas. Foi membro do Clube da Madrugada e
um de seus presidentes.

Um dos poetas mais importantes de sua geração. Sua
poesia se situa no contexto dos anos 70 do século passado,
época de opressão e cerceamento das liberdades.
Os textos de Penafort refletem inconformismo diante da
realidade, preocupação humana e anseio de liberdade. O
azul é metáfora de seu fazer poético.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Horas do meu tempo


Eternizei o vento com palavras
abrindo janelas da alma
à procura de um sinal.

Atravessei desertos do mundo
descrevendo as horas dos meus dias
tentando encontrar teu sorriso

Na música que me acompanhou
talvez amanhã te encontre
com jeito provocador
desafiando caminhos

Quando já não eras esperado
ao saber totalmente de mim
poderás partir
pois já levas contigo
a eternidade do amor.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 03/04/11
Código do Texto: T2886664