Seja bem-vindo. Hoje é

terça-feira, 31 de março de 2009


Três poemas e entre eles
o domingo,
minha pena cordial

meu arroio sem glória
meu tédio
meu Tejo sem nau

(Fernando Campanella, 2009)

Estas paisagens que me detêm
trazem, às vezes, de mim,
o outro lado, a gastura
e o fastio infinito dos clichês:

desfaço os novelos dos cirros,
enfio a lua no saco
e prossigo,
apagando um a um
os astros.


(Fernando Campanella, 2007)
(Bells of Oia - Greece)


A eternidade tem às vezes
sete palmos de silêncio
como flagrante
de um fosso dominical
com direito à flor de superfície
sino de longínquos bronzes
e imobilidade de sol

(Fernando Campanella, 1986)

OITAVA ROSA DE SAROM


É preciso enxergar com a visão da aurora
os canteiros de luz nos olhos da alvorada
e crer que as rosas estão lá antes da hora
como servas das antecâmaras da amada.

É preciso convir que não existe o outrora
que rosas sempre têm a brisa perfumada
no topo do futuro que foi sempre o agora
como o êxtase da primavera despertada.

Rosas são infinitas como é a minha fome
do amor eterno que me vive tão profundo
que já nem pode me deixar sem padecer.

Eu vivo pela dor que meu amor consome
na luz de minhas rosas únicas no mundo
que me resgatarão da morte se morrer...

Afonso Estebanez

domingo, 29 de março de 2009

OS DIAS DE VINHO E ROSAS



Não são longos, o riso e o choro,
o amor, o desejo e o ódio;
Porção nenhuma em nós terão,
imagino,
após o portal cruzarmos.

Não são longos, os dias de vinho e rosas:
De um sonho em névoa
nosso caminho por um instante desperta
depois dentro de um sonho
se encerra.


Ernest Dowson
( Livre tradução de Fernando Campanella)


Belíssima tradução do poeta Fernando Campanella,
para o poema 'They are not long' de Ernest Dowson.
Obrigada poeta, por mais essa pérola.

GOTA


Já viste a alma presa
No cálice de tua mão?
Não validemos tal dor,
No cômputo final
Ela não ultrapassa uma gota,
Um suspiro de orvalho
Sacrificado ao ar.
Ao universo nada importa,
Tudo traz o selo de perfeição.
Não choro.
Mas como queria de vós, natureza,
Uma tal isenção.

Fernando Campanella, 1986

Quando...



Quando eu morrer,
serei acolhida no azul
por versos cavalheirescos,
altaneiros,
que me farão meneios,
num convite
ao eterno bailar de luz e sombra?

Quando eu não mais for...
Essa ternura, essa saudade,
meus lampejos de alegria e sonhos vãos...
As rimas hão de transformá-las em sorrisos,
cedidos aos lábios dos meus tímidos anseios?

Quando eu me esvanecer na fonte,
e ela for o rio dos meus olhares...
Quando eu ventar as brisas gentis
e ensolarar os trigais da minha fome...

Em meu âmago,
no âmago do teu coração,
ouvir-se-á um cântico de encontro?

- Patricia Neme -

Sons da alma


Quisera eu ter o esplendor do olhar
em um canto gregoriano,
ter o som delicado dos versos desencontrados
trazendo a musicalidade da acústica do amor

Do ruído da minha sensibilidade,
transformar em serenas vibrações
cada filamento germinado na emoção,
chegando a transparência da água
que se destaca dos meus olhos


Conceição Bentes
28/03/09

NADA ALÉM DO MEU JARDIM



Eu sempre empreendi grandes viagens
para não muito mais além do meu jardim...
Jamais pretendi chegar ao final de qualquer rua,
se o final das ruas sempre chegaram até mim.

Então eu nunca precisei tomar um trem
com uma mala velha abarrotada de saudade.
Até hoje convivo com a paz de minhas rosas,
companheiras de viagem para a liberdade.

Andar pelo jardim é como dar a volta ao mundo
onde vivo replantando beijos nos canteiros
dos parques das cidades que há no fundo
do lago da memória de minha infância...

E eu não posso correr o risco de deixar
de ser criança, como um velho travesseiro
que se rasga com o tempo e o vento
espalhando pela vida tantas penas
e sonhos e segredos e lembranças
adormecidos neste quarto antigo
onde jazem as minhas esperanças...


Julis Calderón

Reinvento você



Reinventei você
sob as formas mais diversas,
fazendo de ti
a canção da espera

Criei-te na saudade
buscando respostas
nas primaveras esquecidas
cumprindo a promessa da espera
de uma volta num eco de areia

Fui cúmplice dos compassos dos dias
e dos esquadros das horas
deslizando como tudo que não cabe
na fotografia do tempo

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 29/03/09
Código do Texto: T1511693

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Mar e a Rocha



O mar se entrega à rocha sem receios
e a cobre com espuma virginal.
E lhe acarinha todos os permeios,
e a ama, como nunca amou igual.

Lhe conta dos seus mais sutis anseios,
lhe fala desse amor, já outonal...
E a cerca com seus mil e um meneios...
E lhe oferece todo o seu caudal.

Porém, sempre centrada em sua essência,
ela não se permite a experiência
de se entregar aos braços desse amor.

E perde um oceano de venturas,
e mais e mais conhece as amarguras,
de quem jamais permite su'alma expor!


-Patricia Neme -

Canção da chegada



Talho meu compasso nos teus passos
colhendo sonhos
esculpidos na eternidade
Coloca-me em teu regaço
ilustrando-me em tua vida
na hora efêmera em que dispo tua alma
Desfolha-me em palavras,
depõe tua música nas ondas
do teu sorriso
e retira a descrença
do meu coração inválido


Conceição Bentes
26/03/09

ALMA ESTRANGULADA



Cada um de nós que vai por essa estrada deserta
sente que uma multidão de espíritos vive dentro de si.
Às vezes nos surpreendemos tão diferentes de nós mesmos...

(As sombras na alma pesam tanto, são tão quietas,
como a noite, são tão frias, como o luar).

... tão diferentes, como se, de súbito,
uma multidão de espíritos vivesse dentro de nós.

Emílio Moura
Itinerário Poético

quarta-feira, 25 de março de 2009

CAMPO DE TREVOS



O coração em vinho tinto,
as pedras lisas
e ao dobrar de cada esquina
um dragão.
Vamos, me dê a mão.
No amor em seus labirintos
nos percamos com cuidado -
ah, este risonho campo de trevos,
minado.

Fernando Campanella

O ESPELHO



Embrenhei-me na selva dos sentidos
à procura de um espelho
que me ofertasse paz e poesia
em ninho de tempo oculto.

Espelho só meu
sem mancha ou distorções
puro brunido ensimesmado,
de ver-me todo num bater de pálpebra,
a realidade numa só figura.

Procurei-o na terra do sem-fim
remota e noturna
onde tudo o que há principia.
Procurei-o nos desvãos das matas,
oculto sob as pérolas do orvalho
no filete de água que murmura
antecipando o reboar do oceano.

Procurei-o no sol, nas nuvens,
no vôo errante das aves
na terra gorda que tudo absorve,
nas teias, nos ninhos, nas colmeias.
E o espelho foi surgindo no meu peito
à medida da angústia e da procura,
espelho igual aos demais espelhos.



Miguel Reale

E O VENTO NÃO LEVOU...



Minha primeira letra do alfabeto grego
o princípio do amor das aulas de latim
o beta do bendito beijo no aconchego
do primeiro capítulo do amor de mim.

O ciúme que de ti eu tenho por tolice,
a ponto de me declarar em guerra fria
e pôr no dia da batalha uma meiguice
que faça a minha noite clarear teu dia.

E o vento não levou a lucidez da pena
que pago como por dever de gratidão
pelo fato de não ter sido tão pequena
tua herança terrena havida do perdão

que o vento não levou e nunca levaria
da memória da vida agora despertada
do destino capaz de ouvir da ventania
a paz da sinfonia eterna da alvorada...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à poetisa brasileira
Genaura Tormin – com meu carinho)

terça-feira, 24 de março de 2009

SÉTIMA ROSA DE SAROM


Minha sétima rosa é a última que a vida
fez a memória do deserto deslembrada
que neste mundo toda flor é concebida
para lembrar de uma verdade revelada.

A verdade da rosa é a aurora resumida
em primavera do deserto sem ter nada
eis que do nada cada rosa é presumida
como uma dádiva profana consagrada.

E Deus é pompa pela tua circunstância
de ser amada por candura e tolerância
por esse meu amor oculto de aprendiz.

Mas a sétima rosa induz-me o coração
a reduzir todo esse amor numa paixão
que faz de mim o teu amado mais feliz.


Afonso Estebanez

O sabor do desejo



Sinto teu beijo nas incansáveis marés
que dançam ao sabor do vento
em ondas de meiguice
de uma espera sem fim

O teu fulgor nasce
perpetuando o dia
na brisa que toca
horizontes de ti

E a noite me acaricia
cavalgando meus sonhos em magia
como parte de um todo
fundindo corações, no ardor que inflama
como se tu fosses o lume
e eu a chama.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 23/03/09
Código do Texto: T1501018

domingo, 22 de março de 2009

'SONETO DE SAUDADE'



Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...


Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...


Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...


E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...


A. Estebanez

TOLERÂNCIA ZERO


(Vladimir Vladimirovich Maiakovski)


Tolerância, sim!
Mas fazer o dia virar noite, não!
Mas roubar a minha lua, não!
Mas pular a minha cerca, não!
Mas pisar no meu jardim, não!
Mas matar as minhas rosas, não!
Mas assassinar meu cão, não!
Mas invadir a minha casa, não!
Mas estuprar as minha filhas, não!
Mas tomar todo o meu vinho, não!
Mas cuspir na minha sopa, não!
Mas deixar a luz acesa, não!
Mas drogar-me a consciência, não!
Corromper a minha pátria, não!
E eu ficar sem dizer nada, não!
Até podem me matar...
Mas enterrar-me, não!

Julis Calderón & Maria Madalena Schuck
(Numa lembrança de Vladimir Maikovski)

O AMOR DA INSÔNIA



Mais uma noite vou dormir com minha insônia
que este é o meu modo de viver num paraíso,
pois que sonhar dormindo é a inútil cerimônia
que me priva de amanhecer com teu sorriso...

Sonhar com pesadelos é perder-te o instante
de andar pelo jardim que no teu corpo existe,
mais doce quando sonhas é o teu semblante
de quem jamais desperta com o sorriso triste.

Então vou acordar como quem nunca dorme,
aguardar que teu beijo então me faça a hora
esperando que o encanto de te amar retorne
e cante como pássaro que acorda a aurora...


Afonso Estebanez
(Poema dedicado à doce
amiga Ana Maria Wagner)

MAROLA, VELEIRO E VENTO


Céu azul,
Mar revolto,
Alcatifa dos sonhos meus!
Viajo no galope da saudade.
Volto no tempo!
Cheiro de maresia,
Marolas, veleiros...
Vento cantarolando
Na copa dos coqueiros...

O verde da esperança,
E eu, feito criança,
Correndo pela branca areia,
Às carícias das brumas fugidias,
E ao som da ventania.
Ah, eu era só alegria!

As ondas quedavam-se
Ante os pés andejos, dançarinos.
Em coro,
Pássaros entoavam hinos,
Em coloridos gorjeios.
O céu bordado de nuvens viajeiras.
Uma tela de rara beleza,
Numa manhã fagueira.

Hoje,
Desnudo de adereços,
O vento ainda canta para mim.
Parece que ouço o rumorejo,
Daquele vento gostoso,
Que me bordava de beijos.


(Genaura Tormin)

VÁCUO



É preciso reagir.

O corpo feito copo está cheio e vazio.
Cheio porque não foi tragado
Vazio porque não tem essência.

É preciso dar-lhe alma.
É preciso tomar-lhe o vinho.

O vinho está envelhecido,
A alma está solitária.

É vinho e apenas vinho envelhecido.
Alma e apenas alma na solidão.

Tragá-lo foi apenas tragá-lo
Naquilo que tinha de vinho.

É preciso tragar-lhe a alma!


Oswaldo Antônio Begiato

Avis Cara



Estás aqui comigo, amor,
tuas ondas
que a meus sonâmbulos peixes
ainda escamam;

teu pescoço em colar de sargaços,
tuas anêmonas-sereias
que os dias e as noites
ainda me cantam.

Aqui, ainda, o marulhar infindo,
o saciar tamanho,

teus faróis e teus dorsais abismos
em redes obscuras que me entranham.

Tuas asas errantes, ave cara,
ainda fazem de meus rochedos
a sua mais noturna morada.

Estás absolutamente aqui, amor,
( ‘Eternamente’ – sussurras-me )
mas até quando?

Fernando Campanella

Trilhas da alma



Gritei por mim
ao atirar frases sem volta
satirizando as necessidades
do meu imenso engano
Saí do meu formal,
propagado na energia que fui feita
e trilhei caminhos inacabados
entregues aos meus vaticínios
Corri em busca de suspiros perdidos
conhecendo o poder dos meus segredos
envolvendo-me às escolhas,
vesti-me de terra,água, fogo e ar


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 21/03/09
Código do Texto: T1497684

Teus limites



Quero teus limites,
dividir os mesmos delírios
em cada sonho guardado

Sou refém do teu olhar
e lanço-me as vontades mais ousadas
reafirmando decisões tomadas

Visto-me de suspeitas,
aceito os sinais vitais
esquecida e perdida
como náufraga nesse oceano
que insisto em navegar

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 21/03/09
Código do Texto: T1497775

sexta-feira, 20 de março de 2009

Portas do tempo



Observo meu tempo
sem saldo restante
colocando-me a avaliar
passado, presente, futuro

Teço as estações das folhas caídas
fazendo o inverno presente
voltar a vestir-se de esperança
antes que a primavera amanheça
e o verão de silêncios
mais uma vez anoiteça

Conceição Bentes

O AMOR DA INSÔNIA



Mais uma noite vou dormir com minha insônia
que este é o meu modo de viver num paraíso,
pois que sonhar dormindo é a inútil cerimônia
que me priva de amanhecer com teu sorriso...

Sonhar com pesadelos é perder-te o instante
de andar pelo jardim que no teu corpo existe,
mais doce quando sonhas é o teu semblante
de quem jamais desperta com o sorriso triste.

Então vou acordar como quem nunca dorme,
aguardar que teu beijo então me faça a hora
esperando que o encanto de te amar retorne
e cante como pássaro que acorda a aurora...


Afonso Estebanez
(Poema dedicado à doce
amiga Ana Maria Wagner)

Dança



Danço ao som da cripta do fogo
e nos ritmos das aves
que despertam em ascensão

Abraço-te em vôos
entregando-me por inteira
às tempestades da alma
que me levam a mundos distantes

Faço do tempo e do espaço
paisagens sem horizontes,
tempestades de bonança
sobre versos fascinantes


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 20/03/09
Código do Texto: T1495807

terça-feira, 17 de março de 2009

Magia



Você só pode entrar
no perfume, na fragrância
que é o cheiro da rosa,
se você for pequenino...
Ou se descobrir a infância,
mesmo sendo avô, avó,
a rosa é encantada:
só se abre pra quem sabe
que sempre é tempo de fada!


Sylvia Orthof
(1932-1997)

SEXTA ROSA DE SAROM



O enigma da rosa é o mero instinto
que simples faz supor ao jardineiro
ser um dom penetrar-lhe o labirinto
dos instintos das flores do canteiro.

Minha rosa, porém, eu a pressinto,
pois ela é luz da paz do candeeiro:
chama infinita pelo amor que sinto
como o aroma num doce cativeiro.

As Rosas de Sarom são as feridas
curadas pelo amor de muitas vidas
que as lágrimas transiram pela dor.

Mas hoje renascidas dos martírios,
são rosas recatadas como os lírios
dos jardins replantados pelo amor.

Afonso Estebanez

O QUE FICA PARA SEMPRE



O verso tem que ser um sofrimento
pela dor que se dói dentro do peito.
Ou não é verso... é só divertimento
de quem goza de causa sem efeito.

O sentido da flor é o encantamento
que doído de espinho sem despeito
é um doer sem sofrer padecimento
como os versos doídos num soneto.

Todo intento de amor morre cativo
de algum sonho vivido sem motivo
num futuro algemado no presente.

E amor é como pássaro na aurora:
canta e chora e dói e vai embora...
Mas o seu canto fica para sempre!


Afonso Estebanez
(Dedicado com todo o carinho
à poetisa brasileira Anna Orsi)

Rainha do mar



Venho das ondas
que beijam as encostas
de um vulcão,
náufraga no oceano dos teus afagos,
afogando-me no mar dos teus sabores,
nas batidas de teu coração

Trago as cores dos corais,
das rosas, os aromas
deusa de muitos amores
pérola dos colecionadores
do Amor!

Conceição Bentes
16/03/09

AMOR (DE) LÍRIO



Um suspiro solitário
à luz extinta do círio
ou gemido libertário
calado na flor do lírio.

É amor ou é martírio
padecer involuntário
ou é sonho de delírio
é o gozo do calvário.

É o céu e é o inferno
É o lado mais eterno
da loucura na razão...

É o cativo ou o liberto
o lado duplo do afeto
no abismo do coração...

Afonso Estebanez

Canção de Remar



Doce peso
desta sonolência,
leve cadência
de amor e desprezo.

Lua mansa,
pedaço perdido
do anel partido
de alguma esperança.

Grande estrela
toda desfolhada
na água parada
para recebê-la.

Noite fria,
sem desejo humano.
Brisa no oceano
Da melancolia.

Rosto sério
das ondas do mundo.
Bóiam no fundo
ramos de mistério.

( Doce peso
desta sonolência...
leve cadência
de amor e desprezo...)

Cecília Meireles

A SUSTENTÁVEL LEVEZA DO AMOR



O que é o amor senão um encantamento
que nos leva a transpor as bordas do tempo
e alça voo rumo as estrelas passageiras
quando a lua desponta forte em seu clarão?

O que é o amor senão um transbordamento
da alma que jazia adormecida e presa
vagando sózinha em cantos e becos vadios
a procura de sua outra parte perdida?

O que é o amor senão o acreditar que
na vida tudo pode acontecer sem que
nada se possa controlar ou ao menos
parar para dar à razão uma escolha?

O que é o amor senão uma sentinela
que nos carrega inteira ao vento
e nos sacode tal espiga de milho
e evoca toda a profundidade do ser?

O que seríamos sem este amor
que nos tira do cotidiano concreto
e nos faz levitar na asa do sonho
plenos e encantados com a sua leveza?

Guida Linhares

Pássaro errante



Foges como pássaro errante
girando sobre o eixo
da própria vida
em vôos concêntricos

Sentes o frio dos teus sonhos
que acalmam tuas tormentas
e sobre o deserto da tua alma
despoja-te de tudo o que restou

Permaneces na busca incessante
do amor perdido no tempo
vestindo a esperança
que alivia tua dor

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 15/03/09
Código do Texto: T1487339

AMOR IMPREVISÍVEL



além de mim muito mais além de mim
muito além do que muito além de mim

onde jaz sem memória o meu anônimo
amor além do acaso onde é impossível
perecer o imperecível amor de outono

no alvorecer noturno de uma flor tardia
meu desejo insensato ainda aguardaria

que da sombra o crepúsculo emergisse
e nos cobrisse a alvorada de esperança
de reviver o amor do inevitável eclipse

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à Dulce Jacob Genari)

POEMA ESCRITO NO MAR



Queríamos apenas escrever
um capítulo de nossa história
como a memória do poente
entre as páginas do mar...

A areia estava fria e macia
corria pela praia e a maré
subia e o olhar do pôr-do-sol
no horizonte nos pertencia...

... derramava o seu calor
em sementes cristalinas
como pérolas de algodão
fazendo o amor renascer
no poente do coração...

E acabamos reescrevendo
o antigo encanto de amar
do amor escrito nas ondas
entre as páginas do mar...


(Graciela da Cunha e Afonso Estebanez)

segunda-feira, 16 de março de 2009

AMOR SEM CULPAS



Pensei já haver esquecido
ter sido eterno o momento
meu tempo de amor vivido
com o teu no pensamento.

Restou comigo um sentido
de ouvir a canção do vento
dizendo-me haver perdido
o amor na curva do tempo.

Mas tu fostes-me uma flor
e mesmo sem te dar nada
eu ganhei tuas desculpas.

Assim eu te amo sem dor:
de alma só, porém lavada
de todas aquelas culpas...

Afonso Estebanez
(Dedicado carinhosamente à amiga
Maria Augusta Maurício Cesar
– a nossa “Fada do Amor”)

sábado, 14 de março de 2009

Bem vinda Poesia



Vens de outras eras
buscas o renascer da vida,
do tempo, das auroras celestiais
Falas da essência,
da consciência
e do amor espiritual
Descreves nossa alma
com tanta maestria,
que tornam-se preces
ante o altar da vida
Contas as caminhadas
dos reinos mais distantes
aos astros universais,
fazendo da eternidade
a consciência do que somos
iluminando os sonhos,
materializando o amor.

Conceição Bentes
14/03/09

sexta-feira, 13 de março de 2009

Luas Brancas




O medo de te perder
é o medo de me encontrar
- e trevo silente
ao sem-eira do vento
ao remoinho das brancas luas
retornar

Síndrome das crateras vagas
das horas nuas.

( Ai do estéril ventre
de toda antiga ausência
da sombra das palavras tuas.)

quinta-feira, 12 de março de 2009

TRÊS INSTANTES DE PERPLEXIDADE - 3




Os passos que vêm de fora são de velhos amigos
que tenho ou que ainda posso ter já que perdi o costume
simples de estender a mão na rua, adotando a divina
insensatez que há na loucura de perder a dimensão do amor
sem causa nem efeito e sem razões para me transformar
num poeta amoroso por defeito ou num simples
amante sem proveito...

O que adianta então esperar se ainda não é hora
ou simplesmente porque não sei onde anda a hora,
se antes o sol vai aquecer o cume das colinas
e os rios depois vão se banhar nas corredeiras
se o ouro dos trigais ainda vai dourar o vale
assim que despontar a face iluminada
da primeira aurora?...

... se o passado não existe
e o futuro ninguém sabe ainda
se então já fui e ainda nem sei
se irei embora?...

Julis Calderón

Palavras ao vento



Trago no afago do vento,
perfumes das auroras,
renuncias do que sinto
quando as lembranças foram embora

Meu horizonte é muro sem vigias
composto de malhas
que fenecem em suas falhas,
ante o céu que se aprofunda
num passado que se arrasta noite a fora.

Conceição Bentes
11/03/09

Um Violão ao Poente



Ai, que pungente!
Esse violão ao longe,
notas musicais assim soltas
...caindo docemente.
O horizonte nessas cores,
o sol poente parecendo morrer
dentro da própria alma da gente.

Ai! nessa hora que finda o dia,
mesmo quem tem um amor
sente uma ponta de tristeza,
um quê de melancolia!


Lenise Marques

"CANÇÃO I"




Viver não dói. O que dói
é a vida que não se vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa fôrça onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo mais é perdido.

Emílio Moura

BIOGRAFIA



Não se preocupem com a minha biografia.
Ela é cópia de alguns traços cartográficos
de reticências espalhadas entre estrelas...

Biografia é uma história de vida apócrifa.
A minha ninguém a escreveu, nem poderia.
Faltaria o epílogo do amor não resolvido:
esse ponto final seria o último planeta
do universo desconhecido.

Cumpri minha missão, porque eu já beijei
tudo na vida e andei de tudo neste mundo.
Deitei a boca no pó para abraçar a sombra
dormi com todas as insônias por amor
fui aeronauta da noite pousada no telhado
fui o cavaleiro fiel das castas infidelidades
andei de vento sem camisa para ver
como era o acaso e só depois eu aprendi
como era viver de brisa:

é como viver sozinho
de muitos sonhos pequenos,
por falta de companhia para viver
o grande sonho de uma flor
do tamanho proporcional
ao tamanho do meu amor...

Julis Calderón

Razão e Emoção




O que sabemos do amor?
encontros, reencontros
livre arbítrio...

O que dizer entre
a razão e a emoção
e das verdades do querer?

Vulneráveis somos
Diante desse imbatível sentimento
Que não escolhe quem atingir

E vêem os porquês
aos desejos mais secretos,
intensos e pelas escolhas tomadas

Não é só vislumbrar o mais além,
vem o inconfessável perceber,
de não ter medo do que se sente
e proclamar o que convém.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 12/03/09
Código do Texto: T1482171

segunda-feira, 9 de março de 2009

CHUVA NO MOLHADO



Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.

Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.

Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.

Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão...


Afonso Estebanez

Mulher Liberta



Venho do mundo,
sou negra, branca, fui escrava
misturei meiguices, criei raças

Defendo a terra com amor
sou índia guerreira
o ser mutilado em seus direitos
ditos humanos

Podaram meus valores,
sonhos e esperanças
afogando minhas crenças
calando minha voz

Sou água, sou terra,
sou semente da vida liberta
a beleza que não entendem
que desconcerta e contagia
SOU MULHER!

Conceição Bentes
08/03/09

terça-feira, 31 de março de 2009


Três poemas e entre eles
o domingo,
minha pena cordial

meu arroio sem glória
meu tédio
meu Tejo sem nau

(Fernando Campanella, 2009)

Estas paisagens que me detêm
trazem, às vezes, de mim,
o outro lado, a gastura
e o fastio infinito dos clichês:

desfaço os novelos dos cirros,
enfio a lua no saco
e prossigo,
apagando um a um
os astros.


(Fernando Campanella, 2007)
(Bells of Oia - Greece)


A eternidade tem às vezes
sete palmos de silêncio
como flagrante
de um fosso dominical
com direito à flor de superfície
sino de longínquos bronzes
e imobilidade de sol

(Fernando Campanella, 1986)

OITAVA ROSA DE SAROM


É preciso enxergar com a visão da aurora
os canteiros de luz nos olhos da alvorada
e crer que as rosas estão lá antes da hora
como servas das antecâmaras da amada.

É preciso convir que não existe o outrora
que rosas sempre têm a brisa perfumada
no topo do futuro que foi sempre o agora
como o êxtase da primavera despertada.

Rosas são infinitas como é a minha fome
do amor eterno que me vive tão profundo
que já nem pode me deixar sem padecer.

Eu vivo pela dor que meu amor consome
na luz de minhas rosas únicas no mundo
que me resgatarão da morte se morrer...

Afonso Estebanez

domingo, 29 de março de 2009

OS DIAS DE VINHO E ROSAS



Não são longos, o riso e o choro,
o amor, o desejo e o ódio;
Porção nenhuma em nós terão,
imagino,
após o portal cruzarmos.

Não são longos, os dias de vinho e rosas:
De um sonho em névoa
nosso caminho por um instante desperta
depois dentro de um sonho
se encerra.


Ernest Dowson
( Livre tradução de Fernando Campanella)


Belíssima tradução do poeta Fernando Campanella,
para o poema 'They are not long' de Ernest Dowson.
Obrigada poeta, por mais essa pérola.

GOTA


Já viste a alma presa
No cálice de tua mão?
Não validemos tal dor,
No cômputo final
Ela não ultrapassa uma gota,
Um suspiro de orvalho
Sacrificado ao ar.
Ao universo nada importa,
Tudo traz o selo de perfeição.
Não choro.
Mas como queria de vós, natureza,
Uma tal isenção.

Fernando Campanella, 1986

Quando...



Quando eu morrer,
serei acolhida no azul
por versos cavalheirescos,
altaneiros,
que me farão meneios,
num convite
ao eterno bailar de luz e sombra?

Quando eu não mais for...
Essa ternura, essa saudade,
meus lampejos de alegria e sonhos vãos...
As rimas hão de transformá-las em sorrisos,
cedidos aos lábios dos meus tímidos anseios?

Quando eu me esvanecer na fonte,
e ela for o rio dos meus olhares...
Quando eu ventar as brisas gentis
e ensolarar os trigais da minha fome...

Em meu âmago,
no âmago do teu coração,
ouvir-se-á um cântico de encontro?

- Patricia Neme -

Sons da alma


Quisera eu ter o esplendor do olhar
em um canto gregoriano,
ter o som delicado dos versos desencontrados
trazendo a musicalidade da acústica do amor

Do ruído da minha sensibilidade,
transformar em serenas vibrações
cada filamento germinado na emoção,
chegando a transparência da água
que se destaca dos meus olhos


Conceição Bentes
28/03/09

NADA ALÉM DO MEU JARDIM



Eu sempre empreendi grandes viagens
para não muito mais além do meu jardim...
Jamais pretendi chegar ao final de qualquer rua,
se o final das ruas sempre chegaram até mim.

Então eu nunca precisei tomar um trem
com uma mala velha abarrotada de saudade.
Até hoje convivo com a paz de minhas rosas,
companheiras de viagem para a liberdade.

Andar pelo jardim é como dar a volta ao mundo
onde vivo replantando beijos nos canteiros
dos parques das cidades que há no fundo
do lago da memória de minha infância...

E eu não posso correr o risco de deixar
de ser criança, como um velho travesseiro
que se rasga com o tempo e o vento
espalhando pela vida tantas penas
e sonhos e segredos e lembranças
adormecidos neste quarto antigo
onde jazem as minhas esperanças...


Julis Calderón

Reinvento você



Reinventei você
sob as formas mais diversas,
fazendo de ti
a canção da espera

Criei-te na saudade
buscando respostas
nas primaveras esquecidas
cumprindo a promessa da espera
de uma volta num eco de areia

Fui cúmplice dos compassos dos dias
e dos esquadros das horas
deslizando como tudo que não cabe
na fotografia do tempo

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 29/03/09
Código do Texto: T1511693

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Mar e a Rocha



O mar se entrega à rocha sem receios
e a cobre com espuma virginal.
E lhe acarinha todos os permeios,
e a ama, como nunca amou igual.

Lhe conta dos seus mais sutis anseios,
lhe fala desse amor, já outonal...
E a cerca com seus mil e um meneios...
E lhe oferece todo o seu caudal.

Porém, sempre centrada em sua essência,
ela não se permite a experiência
de se entregar aos braços desse amor.

E perde um oceano de venturas,
e mais e mais conhece as amarguras,
de quem jamais permite su'alma expor!


-Patricia Neme -

Canção da chegada



Talho meu compasso nos teus passos
colhendo sonhos
esculpidos na eternidade
Coloca-me em teu regaço
ilustrando-me em tua vida
na hora efêmera em que dispo tua alma
Desfolha-me em palavras,
depõe tua música nas ondas
do teu sorriso
e retira a descrença
do meu coração inválido


Conceição Bentes
26/03/09

ALMA ESTRANGULADA



Cada um de nós que vai por essa estrada deserta
sente que uma multidão de espíritos vive dentro de si.
Às vezes nos surpreendemos tão diferentes de nós mesmos...

(As sombras na alma pesam tanto, são tão quietas,
como a noite, são tão frias, como o luar).

... tão diferentes, como se, de súbito,
uma multidão de espíritos vivesse dentro de nós.

Emílio Moura
Itinerário Poético

quarta-feira, 25 de março de 2009

CAMPO DE TREVOS



O coração em vinho tinto,
as pedras lisas
e ao dobrar de cada esquina
um dragão.
Vamos, me dê a mão.
No amor em seus labirintos
nos percamos com cuidado -
ah, este risonho campo de trevos,
minado.

Fernando Campanella

O ESPELHO



Embrenhei-me na selva dos sentidos
à procura de um espelho
que me ofertasse paz e poesia
em ninho de tempo oculto.

Espelho só meu
sem mancha ou distorções
puro brunido ensimesmado,
de ver-me todo num bater de pálpebra,
a realidade numa só figura.

Procurei-o na terra do sem-fim
remota e noturna
onde tudo o que há principia.
Procurei-o nos desvãos das matas,
oculto sob as pérolas do orvalho
no filete de água que murmura
antecipando o reboar do oceano.

Procurei-o no sol, nas nuvens,
no vôo errante das aves
na terra gorda que tudo absorve,
nas teias, nos ninhos, nas colmeias.
E o espelho foi surgindo no meu peito
à medida da angústia e da procura,
espelho igual aos demais espelhos.



Miguel Reale

E O VENTO NÃO LEVOU...



Minha primeira letra do alfabeto grego
o princípio do amor das aulas de latim
o beta do bendito beijo no aconchego
do primeiro capítulo do amor de mim.

O ciúme que de ti eu tenho por tolice,
a ponto de me declarar em guerra fria
e pôr no dia da batalha uma meiguice
que faça a minha noite clarear teu dia.

E o vento não levou a lucidez da pena
que pago como por dever de gratidão
pelo fato de não ter sido tão pequena
tua herança terrena havida do perdão

que o vento não levou e nunca levaria
da memória da vida agora despertada
do destino capaz de ouvir da ventania
a paz da sinfonia eterna da alvorada...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à poetisa brasileira
Genaura Tormin – com meu carinho)

terça-feira, 24 de março de 2009

SÉTIMA ROSA DE SAROM


Minha sétima rosa é a última que a vida
fez a memória do deserto deslembrada
que neste mundo toda flor é concebida
para lembrar de uma verdade revelada.

A verdade da rosa é a aurora resumida
em primavera do deserto sem ter nada
eis que do nada cada rosa é presumida
como uma dádiva profana consagrada.

E Deus é pompa pela tua circunstância
de ser amada por candura e tolerância
por esse meu amor oculto de aprendiz.

Mas a sétima rosa induz-me o coração
a reduzir todo esse amor numa paixão
que faz de mim o teu amado mais feliz.


Afonso Estebanez

O sabor do desejo



Sinto teu beijo nas incansáveis marés
que dançam ao sabor do vento
em ondas de meiguice
de uma espera sem fim

O teu fulgor nasce
perpetuando o dia
na brisa que toca
horizontes de ti

E a noite me acaricia
cavalgando meus sonhos em magia
como parte de um todo
fundindo corações, no ardor que inflama
como se tu fosses o lume
e eu a chama.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 23/03/09
Código do Texto: T1501018

domingo, 22 de março de 2009

'SONETO DE SAUDADE'



Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...


Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...


Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...


E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...


A. Estebanez

TOLERÂNCIA ZERO


(Vladimir Vladimirovich Maiakovski)


Tolerância, sim!
Mas fazer o dia virar noite, não!
Mas roubar a minha lua, não!
Mas pular a minha cerca, não!
Mas pisar no meu jardim, não!
Mas matar as minhas rosas, não!
Mas assassinar meu cão, não!
Mas invadir a minha casa, não!
Mas estuprar as minha filhas, não!
Mas tomar todo o meu vinho, não!
Mas cuspir na minha sopa, não!
Mas deixar a luz acesa, não!
Mas drogar-me a consciência, não!
Corromper a minha pátria, não!
E eu ficar sem dizer nada, não!
Até podem me matar...
Mas enterrar-me, não!

Julis Calderón & Maria Madalena Schuck
(Numa lembrança de Vladimir Maikovski)

O AMOR DA INSÔNIA



Mais uma noite vou dormir com minha insônia
que este é o meu modo de viver num paraíso,
pois que sonhar dormindo é a inútil cerimônia
que me priva de amanhecer com teu sorriso...

Sonhar com pesadelos é perder-te o instante
de andar pelo jardim que no teu corpo existe,
mais doce quando sonhas é o teu semblante
de quem jamais desperta com o sorriso triste.

Então vou acordar como quem nunca dorme,
aguardar que teu beijo então me faça a hora
esperando que o encanto de te amar retorne
e cante como pássaro que acorda a aurora...


Afonso Estebanez
(Poema dedicado à doce
amiga Ana Maria Wagner)

MAROLA, VELEIRO E VENTO


Céu azul,
Mar revolto,
Alcatifa dos sonhos meus!
Viajo no galope da saudade.
Volto no tempo!
Cheiro de maresia,
Marolas, veleiros...
Vento cantarolando
Na copa dos coqueiros...

O verde da esperança,
E eu, feito criança,
Correndo pela branca areia,
Às carícias das brumas fugidias,
E ao som da ventania.
Ah, eu era só alegria!

As ondas quedavam-se
Ante os pés andejos, dançarinos.
Em coro,
Pássaros entoavam hinos,
Em coloridos gorjeios.
O céu bordado de nuvens viajeiras.
Uma tela de rara beleza,
Numa manhã fagueira.

Hoje,
Desnudo de adereços,
O vento ainda canta para mim.
Parece que ouço o rumorejo,
Daquele vento gostoso,
Que me bordava de beijos.


(Genaura Tormin)

VÁCUO



É preciso reagir.

O corpo feito copo está cheio e vazio.
Cheio porque não foi tragado
Vazio porque não tem essência.

É preciso dar-lhe alma.
É preciso tomar-lhe o vinho.

O vinho está envelhecido,
A alma está solitária.

É vinho e apenas vinho envelhecido.
Alma e apenas alma na solidão.

Tragá-lo foi apenas tragá-lo
Naquilo que tinha de vinho.

É preciso tragar-lhe a alma!


Oswaldo Antônio Begiato

Avis Cara



Estás aqui comigo, amor,
tuas ondas
que a meus sonâmbulos peixes
ainda escamam;

teu pescoço em colar de sargaços,
tuas anêmonas-sereias
que os dias e as noites
ainda me cantam.

Aqui, ainda, o marulhar infindo,
o saciar tamanho,

teus faróis e teus dorsais abismos
em redes obscuras que me entranham.

Tuas asas errantes, ave cara,
ainda fazem de meus rochedos
a sua mais noturna morada.

Estás absolutamente aqui, amor,
( ‘Eternamente’ – sussurras-me )
mas até quando?

Fernando Campanella

Trilhas da alma



Gritei por mim
ao atirar frases sem volta
satirizando as necessidades
do meu imenso engano
Saí do meu formal,
propagado na energia que fui feita
e trilhei caminhos inacabados
entregues aos meus vaticínios
Corri em busca de suspiros perdidos
conhecendo o poder dos meus segredos
envolvendo-me às escolhas,
vesti-me de terra,água, fogo e ar


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 21/03/09
Código do Texto: T1497684

Teus limites



Quero teus limites,
dividir os mesmos delírios
em cada sonho guardado

Sou refém do teu olhar
e lanço-me as vontades mais ousadas
reafirmando decisões tomadas

Visto-me de suspeitas,
aceito os sinais vitais
esquecida e perdida
como náufraga nesse oceano
que insisto em navegar

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 21/03/09
Código do Texto: T1497775

sexta-feira, 20 de março de 2009

Portas do tempo



Observo meu tempo
sem saldo restante
colocando-me a avaliar
passado, presente, futuro

Teço as estações das folhas caídas
fazendo o inverno presente
voltar a vestir-se de esperança
antes que a primavera amanheça
e o verão de silêncios
mais uma vez anoiteça

Conceição Bentes

O AMOR DA INSÔNIA



Mais uma noite vou dormir com minha insônia
que este é o meu modo de viver num paraíso,
pois que sonhar dormindo é a inútil cerimônia
que me priva de amanhecer com teu sorriso...

Sonhar com pesadelos é perder-te o instante
de andar pelo jardim que no teu corpo existe,
mais doce quando sonhas é o teu semblante
de quem jamais desperta com o sorriso triste.

Então vou acordar como quem nunca dorme,
aguardar que teu beijo então me faça a hora
esperando que o encanto de te amar retorne
e cante como pássaro que acorda a aurora...


Afonso Estebanez
(Poema dedicado à doce
amiga Ana Maria Wagner)

Dança



Danço ao som da cripta do fogo
e nos ritmos das aves
que despertam em ascensão

Abraço-te em vôos
entregando-me por inteira
às tempestades da alma
que me levam a mundos distantes

Faço do tempo e do espaço
paisagens sem horizontes,
tempestades de bonança
sobre versos fascinantes


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 20/03/09
Código do Texto: T1495807

terça-feira, 17 de março de 2009

Magia



Você só pode entrar
no perfume, na fragrância
que é o cheiro da rosa,
se você for pequenino...
Ou se descobrir a infância,
mesmo sendo avô, avó,
a rosa é encantada:
só se abre pra quem sabe
que sempre é tempo de fada!


Sylvia Orthof
(1932-1997)

SEXTA ROSA DE SAROM



O enigma da rosa é o mero instinto
que simples faz supor ao jardineiro
ser um dom penetrar-lhe o labirinto
dos instintos das flores do canteiro.

Minha rosa, porém, eu a pressinto,
pois ela é luz da paz do candeeiro:
chama infinita pelo amor que sinto
como o aroma num doce cativeiro.

As Rosas de Sarom são as feridas
curadas pelo amor de muitas vidas
que as lágrimas transiram pela dor.

Mas hoje renascidas dos martírios,
são rosas recatadas como os lírios
dos jardins replantados pelo amor.

Afonso Estebanez

O QUE FICA PARA SEMPRE



O verso tem que ser um sofrimento
pela dor que se dói dentro do peito.
Ou não é verso... é só divertimento
de quem goza de causa sem efeito.

O sentido da flor é o encantamento
que doído de espinho sem despeito
é um doer sem sofrer padecimento
como os versos doídos num soneto.

Todo intento de amor morre cativo
de algum sonho vivido sem motivo
num futuro algemado no presente.

E amor é como pássaro na aurora:
canta e chora e dói e vai embora...
Mas o seu canto fica para sempre!


Afonso Estebanez
(Dedicado com todo o carinho
à poetisa brasileira Anna Orsi)

Rainha do mar



Venho das ondas
que beijam as encostas
de um vulcão,
náufraga no oceano dos teus afagos,
afogando-me no mar dos teus sabores,
nas batidas de teu coração

Trago as cores dos corais,
das rosas, os aromas
deusa de muitos amores
pérola dos colecionadores
do Amor!

Conceição Bentes
16/03/09

AMOR (DE) LÍRIO



Um suspiro solitário
à luz extinta do círio
ou gemido libertário
calado na flor do lírio.

É amor ou é martírio
padecer involuntário
ou é sonho de delírio
é o gozo do calvário.

É o céu e é o inferno
É o lado mais eterno
da loucura na razão...

É o cativo ou o liberto
o lado duplo do afeto
no abismo do coração...

Afonso Estebanez

Canção de Remar



Doce peso
desta sonolência,
leve cadência
de amor e desprezo.

Lua mansa,
pedaço perdido
do anel partido
de alguma esperança.

Grande estrela
toda desfolhada
na água parada
para recebê-la.

Noite fria,
sem desejo humano.
Brisa no oceano
Da melancolia.

Rosto sério
das ondas do mundo.
Bóiam no fundo
ramos de mistério.

( Doce peso
desta sonolência...
leve cadência
de amor e desprezo...)

Cecília Meireles

A SUSTENTÁVEL LEVEZA DO AMOR



O que é o amor senão um encantamento
que nos leva a transpor as bordas do tempo
e alça voo rumo as estrelas passageiras
quando a lua desponta forte em seu clarão?

O que é o amor senão um transbordamento
da alma que jazia adormecida e presa
vagando sózinha em cantos e becos vadios
a procura de sua outra parte perdida?

O que é o amor senão o acreditar que
na vida tudo pode acontecer sem que
nada se possa controlar ou ao menos
parar para dar à razão uma escolha?

O que é o amor senão uma sentinela
que nos carrega inteira ao vento
e nos sacode tal espiga de milho
e evoca toda a profundidade do ser?

O que seríamos sem este amor
que nos tira do cotidiano concreto
e nos faz levitar na asa do sonho
plenos e encantados com a sua leveza?

Guida Linhares

Pássaro errante



Foges como pássaro errante
girando sobre o eixo
da própria vida
em vôos concêntricos

Sentes o frio dos teus sonhos
que acalmam tuas tormentas
e sobre o deserto da tua alma
despoja-te de tudo o que restou

Permaneces na busca incessante
do amor perdido no tempo
vestindo a esperança
que alivia tua dor

Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 15/03/09
Código do Texto: T1487339

AMOR IMPREVISÍVEL



além de mim muito mais além de mim
muito além do que muito além de mim

onde jaz sem memória o meu anônimo
amor além do acaso onde é impossível
perecer o imperecível amor de outono

no alvorecer noturno de uma flor tardia
meu desejo insensato ainda aguardaria

que da sombra o crepúsculo emergisse
e nos cobrisse a alvorada de esperança
de reviver o amor do inevitável eclipse

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à Dulce Jacob Genari)

POEMA ESCRITO NO MAR



Queríamos apenas escrever
um capítulo de nossa história
como a memória do poente
entre as páginas do mar...

A areia estava fria e macia
corria pela praia e a maré
subia e o olhar do pôr-do-sol
no horizonte nos pertencia...

... derramava o seu calor
em sementes cristalinas
como pérolas de algodão
fazendo o amor renascer
no poente do coração...

E acabamos reescrevendo
o antigo encanto de amar
do amor escrito nas ondas
entre as páginas do mar...


(Graciela da Cunha e Afonso Estebanez)

segunda-feira, 16 de março de 2009

AMOR SEM CULPAS



Pensei já haver esquecido
ter sido eterno o momento
meu tempo de amor vivido
com o teu no pensamento.

Restou comigo um sentido
de ouvir a canção do vento
dizendo-me haver perdido
o amor na curva do tempo.

Mas tu fostes-me uma flor
e mesmo sem te dar nada
eu ganhei tuas desculpas.

Assim eu te amo sem dor:
de alma só, porém lavada
de todas aquelas culpas...

Afonso Estebanez
(Dedicado carinhosamente à amiga
Maria Augusta Maurício Cesar
– a nossa “Fada do Amor”)

sábado, 14 de março de 2009

Bem vinda Poesia



Vens de outras eras
buscas o renascer da vida,
do tempo, das auroras celestiais
Falas da essência,
da consciência
e do amor espiritual
Descreves nossa alma
com tanta maestria,
que tornam-se preces
ante o altar da vida
Contas as caminhadas
dos reinos mais distantes
aos astros universais,
fazendo da eternidade
a consciência do que somos
iluminando os sonhos,
materializando o amor.

Conceição Bentes
14/03/09

sexta-feira, 13 de março de 2009

Luas Brancas




O medo de te perder
é o medo de me encontrar
- e trevo silente
ao sem-eira do vento
ao remoinho das brancas luas
retornar

Síndrome das crateras vagas
das horas nuas.

( Ai do estéril ventre
de toda antiga ausência
da sombra das palavras tuas.)

quinta-feira, 12 de março de 2009

TRÊS INSTANTES DE PERPLEXIDADE - 3




Os passos que vêm de fora são de velhos amigos
que tenho ou que ainda posso ter já que perdi o costume
simples de estender a mão na rua, adotando a divina
insensatez que há na loucura de perder a dimensão do amor
sem causa nem efeito e sem razões para me transformar
num poeta amoroso por defeito ou num simples
amante sem proveito...

O que adianta então esperar se ainda não é hora
ou simplesmente porque não sei onde anda a hora,
se antes o sol vai aquecer o cume das colinas
e os rios depois vão se banhar nas corredeiras
se o ouro dos trigais ainda vai dourar o vale
assim que despontar a face iluminada
da primeira aurora?...

... se o passado não existe
e o futuro ninguém sabe ainda
se então já fui e ainda nem sei
se irei embora?...

Julis Calderón

Palavras ao vento



Trago no afago do vento,
perfumes das auroras,
renuncias do que sinto
quando as lembranças foram embora

Meu horizonte é muro sem vigias
composto de malhas
que fenecem em suas falhas,
ante o céu que se aprofunda
num passado que se arrasta noite a fora.

Conceição Bentes
11/03/09

Um Violão ao Poente



Ai, que pungente!
Esse violão ao longe,
notas musicais assim soltas
...caindo docemente.
O horizonte nessas cores,
o sol poente parecendo morrer
dentro da própria alma da gente.

Ai! nessa hora que finda o dia,
mesmo quem tem um amor
sente uma ponta de tristeza,
um quê de melancolia!


Lenise Marques

"CANÇÃO I"




Viver não dói. O que dói
é a vida que não se vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa fôrça onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo mais é perdido.

Emílio Moura

BIOGRAFIA



Não se preocupem com a minha biografia.
Ela é cópia de alguns traços cartográficos
de reticências espalhadas entre estrelas...

Biografia é uma história de vida apócrifa.
A minha ninguém a escreveu, nem poderia.
Faltaria o epílogo do amor não resolvido:
esse ponto final seria o último planeta
do universo desconhecido.

Cumpri minha missão, porque eu já beijei
tudo na vida e andei de tudo neste mundo.
Deitei a boca no pó para abraçar a sombra
dormi com todas as insônias por amor
fui aeronauta da noite pousada no telhado
fui o cavaleiro fiel das castas infidelidades
andei de vento sem camisa para ver
como era o acaso e só depois eu aprendi
como era viver de brisa:

é como viver sozinho
de muitos sonhos pequenos,
por falta de companhia para viver
o grande sonho de uma flor
do tamanho proporcional
ao tamanho do meu amor...

Julis Calderón

Razão e Emoção




O que sabemos do amor?
encontros, reencontros
livre arbítrio...

O que dizer entre
a razão e a emoção
e das verdades do querer?

Vulneráveis somos
Diante desse imbatível sentimento
Que não escolhe quem atingir

E vêem os porquês
aos desejos mais secretos,
intensos e pelas escolhas tomadas

Não é só vislumbrar o mais além,
vem o inconfessável perceber,
de não ter medo do que se sente
e proclamar o que convém.


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 12/03/09
Código do Texto: T1482171

segunda-feira, 9 de março de 2009

CHUVA NO MOLHADO



Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.

Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.

Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.

Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão...


Afonso Estebanez

Mulher Liberta



Venho do mundo,
sou negra, branca, fui escrava
misturei meiguices, criei raças

Defendo a terra com amor
sou índia guerreira
o ser mutilado em seus direitos
ditos humanos

Podaram meus valores,
sonhos e esperanças
afogando minhas crenças
calando minha voz

Sou água, sou terra,
sou semente da vida liberta
a beleza que não entendem
que desconcerta e contagia
SOU MULHER!

Conceição Bentes
08/03/09